Os inesperados benefícios da maternidade tardia

2015-04-10_190211

Estudos recentes põem em dúvida tudo o que você já ouviu sobre a maternidade e o relógio biológico
Parece que ter filhos mais velha é algo que privilegia não só as mães como seus filhos também. Um estudo europeu recém-publicado no jornal Population and Development Review chegou à conclusão de que mulheres que atrasaram a gravidez – inclusive até depois dos 40 anos – tiveram crianças mais altas, com melhores notas no ensino médio e com maiores chances de entrar na universidade.
O estudo levou em conta dados de 1.5 milhão de homens e mulheres suíços nascidos entre 1960 e 1991. Para os pesquisadores envolvidos, os resultados parecem se relacionar com países industrializados, onde a saúde pública e as condições sociais estão melhorando e as oportunidades educacionais estão crescendo. “Pesquisas anteriores ignoraram a importância dessas mudanças, em larga escala, ao longo do tempo”, dizem. Mas e o consenso entre a comunidade médica de que quanto mais velha a mãe, maiores são os riscos para as crianças (que estariam mais propensas a erros genéticos e doenças como hipertensão e diabetes)? O novo estudo também levanta essa questão, mas sugere que esses riscos são “contrabalanceados ou compensados” pelas mudanças positivas que se estabelecem na sociedade até que a criança nasça, ou seja, nos anos em que a mãe atrasa a gravidez.

A análise também comparou nascidos dos mesmos pais e que cresceram no mesmo ambiente familiar. “Nessas condições, foi possível focar na importância da idade materna na hora do nascimento, independentemente da influência de outros fatores que poderiam distorcer os resultados”, explica Kieron Barclay, um dos líderes do estudo.

Outros estudos  confirmam
Nem os contos de fadas, nem a pressão social ou familiar, nem sequer o relógio biológico puderam frear o atraso da maternidade entre as mulheres espanholas. Segundo o relatório do Instituto Nacional de Estatística da Espanha (INE) sobre o movimento natural da população em 2016, a idade média da maternidade naquele país alcançou um dado histórico: 32 anos (dois anos a mais que em 2006).

“A maioria dos países ocidentais está em um processo de atraso na idade de ter um bebê por causa da dificuldade de conciliar a vida profissional e dos últimos impactos da crise econômica”, diz o sociólogo Santiago Pardilla Fernández. Ao contexto socioeconômico somam-se a questão da fertilidade e o estigma de ser mãe mais velha: mães com “menos energia”, “mais cansadas” e que “parecem avós”, para mencionar só alguns dos mais batidos argumentos sobre o tema. Tudo isso cria um cenário bastante pessimista para a mães tardias, que só piora com os estudos científicos que relacionam a idade da mãe aos inconvenientes no desenvolvimento do feto.

Agora um grupo de pesquisadores parece (finalmente) ter dado trégua a essas mães. Em um estudo publicado em fevereiro no International Journal of Epidemiology, um grupo de cientistas analisou a associação entre idade materna e capacidade cognitiva em crianças de 10 anos. Para isso, os pesquisadores compararam três grandes estudos longitudinais realizados no Reino Unido durante os anos 1958, 1970 e de 2000 a 2002, com amostras de 10.000 crianças cada um.

Os resultados foram surpreendentes. Apesar de a relação entre idade materna e capacidade cognitiva ser negativa no estudo dos anos 1950, isto é, os filhos de mães de entre 35 e 39 anos tinham pontuações cognitivas piores que os filhos de mães jovens, no de 2000 a relação se inverteu: as crianças nascidas de mães com idades entre 35 e 39 anos alcançavam resultados significativamente melhores nos testes cognitivos que os das mais jovens.

Não tinha a ver com a idade, mas com o dinheiro
Segundo explicam os pesquisadores, nos anos 1950 as mulheres que tinham filhos com mais de 30 anos tinham concebido entre cinco e seis vezes antes, ou seja, não eram primíparas (de primeira gestação). Isso era um agravante para o desenvolvimento cognitivo porque os irmãos maiores tinham mais acesso aos recursos parentais: hoje até se relaciona a falta de atenção dos pais que trabalham longe de seus filhos a alterações no cérebro que afetam negativamente o quociente intelectual (QI).

Além disso, as famílias numerosas eram, em geral, mais pobres; a pobreza tem sido relacionada ao desenvolvimento do cérebro devido a três fatores derivados da falta de recursos: desnutrição, más condições sanitárias e os desafios impostos às crianças. Naquela época “o filho que vinha quando a mãe tinha 35 já se criava sozinho”, brinca Armando Bastida, enfermeiro de Pediatria, pai e fundador do grupo Criar com bom senso.

As mães do estudo do ano 2000 que tinham seus descendentes tarde – neste caso, seu primeiro filho, diferentemente das mulheres dos anos 1950 –, tinham preferido desenvolver uma carreira profissional, encontravam-se em um nível socioeconômico mais cômodo e seguiram melhores condutas de saúde durante a gravidez.

Apesar de “se ver em muitos estudos que famílias com menos recursos têm crianças com pior desenvolvimento – gozam de menor acesso a oportunidades ou talvez os pais deem menos importância à leitura e a outras atividades…”, comenta Armando Bastida – as mães tardias de hoje “querem que seus filhos tenham um nível parecido ao seu (estudos, cultura, economia…)”.

Bastida insiste em um ponto-chave do estudo, “as diferenças cognitivas nos pequenos não são determinadas por fatores genéticos ou biológicos associados à idade da mãe, simplesmente tudo o que antes acontecia aos 25 anos agora passou para os 35”.

E tem mais: um estudo recente da Universidade do Sul da Califórnia descobriu que dar à luz depois dos 35 melhora as habilidades mentais… da mãe. Os pesquisadores acreditam que isso se deva ao incremento de hormônios – estrogênios e progesterona – produzidos durante a gravidez, que atuam de forma positiva na química do cérebro e têm maior efeito quanto mais velha for a mãe. Para chegar a essa conclusão, foram feitos testes com 830 mulheres na menopausa: as que tiveram filhos a partir dos 35 mostravam melhor memória verbal e cognição.

Além dos fatores biológicos, demográficos e sociais favoráveis às mães tardias, não se pode menosprezar o fato de que, segundo um estudo da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, elas educam impondo menos castigos e com menos violência verbal que as mais jovens, o que repercute no bem estar emocional das crianças. Neste sentido, outro estudo, realizado na Universidade Columbia (EUA), mostra que “os pais mais velhos podem ser menos resistentes que os mais jovens, mas têm mais experiência e conhecimento”, por isso “a desvantagem biológica está em certo grau equilibrada pela vantagem social”.

Verão os filhos crescer, sim
Embora as gestações com trinta e tantos anos sejam associadas a uma maior probabilidade de complicações, como aumento da incidência de síndrome de Down e maior risco de hipertensão e diabetes gestacional, elas também oferecem vantagens em nível de saúde. Num estudo publicado na American Journal of Public Health, feito com uma amostra de mais de 20.000 mulheres, os pesquisadores detectaram que aquelas que foram mães depois dos 25 anos – considerado biologicamente como o momento de ouro para a reprodução – na verdade tinham 11% mais chances de viverem até os 90 anos.

Indo mais fundo: em outro estudo, realizado na Escola de Medicina da Universidade de Boston (EUA), examinou-se a expectativa de vida das mães mais velhas e concluiu-se que as mulheres que tiveram seu último filho depois dos 33 anos reúnem mais probabilidades de viver até os 95. E não só isso: ao que parece, têm o dobro de chance de viverem até os 95 em relação àquelas que tiveram seu último filho antes de completar 30 anos.

“Obviamente isso não significa que as mulheres devam esperar para terem filhos em idades mais avançadas, a fim de melhorar sua expectativa de vida”, afirma o autor do estudo, o médico Thomas Perls: “A capacidade natural de ter um filho numa idade avançada provavelmente indica que o sistema reprodutivo da mulher está envelhecendo lentamente e, portanto, o resto do seu corpo também”. Essas conclusões indicam que as mulheres talvez sejam a força por trás da evolução de variantes genéticas que retardam o envelhecimento e ajudam as pessoas a viverem até uma velhice extrema.