Os distúrbios de um acumulador compulsivo: como reconhecer e tratar quem “acumuladores”

2015-04-10_190211

Estudos mais recentes sugerem que o distúrbio afeta de 2% a 5% da população mundial, o que o torna mais prevalente que a esquizofrenia

 

É comum ver crianças (e também adultos) colecionar moedas, bonecas, figurinhas, roupas e uma infinidade de outros itens. Não raro as pessoas se apegam tanto a seus pertences que passam a considerá-los extensões de si mesmas, apegando-se demasiadamente a eles.
Em raros casos, o hábito de reunir e manter coisas chega a situações extremas, nada saudáveis, caracterizando-se como um distúrbio de acumulação, ainda pouco compreendido pela ciência. Muitos pesquisadores acreditam que a patologia seja variante do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), mas não há confirmação dessa hipótese. Estudos mais recentes sugerem que o distúrbio resulte de uma desregulação da tendência adaptativa de manter recursos para sobrevivência.
Sigmund Freud considerava a acumulação um sintoma relacionado à fase anal, decorrente, entre outras coisas, do “treinamento do banheiro” (fase em que a criança deixa as fraldas) excessivamente rígido. De fato, essa hipótese embasada no desenvolvimento psicossexual oferece pistas preciosas para entender o funcionamento psíquico do acumulador. Mas também é possível considerar a questão sob outras ópticas – que de forma alguma refutam a argumentação psicanalítica, mas podem complementá-la.
Na década de 90, o problema começou a ser reconhecido como um distúrbio clínico grave. O psicólogo Randy O. Frost, da Smith College, foi um dos primeiros a desenvolver pesquisas sobre o tema. O assunto foi popularizado por documentários e reality shows americanos, como Hoarders, Clean house e Hoarding: buried alive, exibidos no Brasil como Cada coisa em seu lugar e Acumuladores no canal por assinatura Discovery Home & Health.
Até recentemente, muitos profissionais de saúde mental consideravam a acumulação patológica um subtipo do TOC, ou seja, uma espécie de compulsão: atos repetidos ou rituais para tentar dissipar a ansiedade, como verificar o fogão excessivamente para se certificar de que está desligado. No entanto, de acordo com um estudo feito em 2010 pelo psicólogo David Mataix-Cols, do Kings College London, mais de 80% das pessoas que acumulam objetos não satisfazem os critérios do TOC, como ter obsessões (pensamentos, imagens e impulsos recorrentes ou intrusivos). Além disso, a tendência à acumulação geralmente é comum em pessoas mais pobres, mais idosas e propensas a transtornos de humor e ansiedade, em comparação aos pacientes com TOC. Apresentam ainda uma característica marcante: raramente se dão conta do problema que enfrentam.
De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, o transtorno é caracterizado por dificuldades extremas e duradouras de se desfazer de bens, mesmo que não tenham nenhum valor tangível. Pessoas com o problema enfrentam fortes impulsos para reter objetos ou se tornam extremamente ansiosas ao pensar em jogá-los fora. A casa ou o local de trabalho são tão desorganizados que o espaço se torna inutilizado, uma situação que pode deflagrar intensa angústia e prejudicar seriamente as atividades cotidianas. No entanto, antes de diagnosticar o distúrbio é preciso excluir condições médicas que podem levar a comportamentos similares. Em um estudo de 1998, o psiquiatra Jen-Ping Hwang e seus colegas do Hospital Geral de Veteranos de Taipé, constataram que 23% de pacientes com demência exibem comportamento clinicamente significativo de acumulação.
O distúrbio afeta homens e mulheres na mesma medida e atinge entre 2% e 5% da população, o que o torna mais prevalente que a esquizofrenia, por exemplo. Pessoas com o transtorno costumam ajuntar livros, revistas, jornais e até enormes quantidades de roupas que nunca são retiradas da embalagem. Embora raros, há também registros de acúmulo de animais. Em 2010, policiais encontraram mais de 150 gatos em uma casa na cidade de Powell, em Wyoming. No Brasil, uma família em Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, foi processada pelos vizinhos por manter 44 animais dentro de casa, sendo que a lei permite, no máximo, dez. Esse tipo de acumulador tende a sofrer mais prejuízos psicológicos e a viver em condições bastante precárias.

Reflexo da idade?
Apesar de ser mais incomum, os primeiros sinais da acumulação compulsiva podem aparecer ainda na infância. Entretanto, como é citado no DSM-5, o distúrbio costuma se tornar mais desenvolvido conforme a idade avança, sendo mais prevalente entre os 55 e 94 anos.

Diagnóstico
Alguns sinais da Acumulação Compulsiva de utilidade para o diagnóstico seriam:
Recolher e acumular excessivamente bens e objetos que a maioria das pessoas joga fora, tais como sucatas ou lixo, embalagens, jornais velhos, etc. e amontoá-los em pilhas.
Incapacidade ou grande dificuldade, angústia e indecisão ansiosa associado às tentativas e solicitações para descartar os objetos acumulados.
Viver em condições precárias de salubridade e em desorganização por conta do acumulo excessivo de bens e objetos, além de não permitir que alguém arrume ou limpe essa desorganização.
Desvirtuar o espaço da casa da real finalidade a que se destina (cozinha para cozinhar, banheiro para tomar banho, quarto para dormir…) para ocupá-lo pelos objetos acumulados.
Em alguns casos, ter muitos animais de estimação e não cuidar deles da melhor maneira — transtorno de acumulação de animais.
Negar que seja exagerado o acúmulo compulsivo, ter vergonha e constrangimento deste hábito e, mesmo assim, não conseguir controlar o impulso.
Os sintomas causam sofrimento significativo ou prejuízo em áreas sociais, ocupacionais ou outras importantes de funcionamento da pessoa.
Uma das recomendações dos manuais de classificação com a finalidades de avaliar a gravidade do quadro é sobre o juízo crítico e noção da morbidade que o portador do transtorno tem sobre sua situação.
Um outro requisito para o diagnóstico de acumulação compulsiva é que todos esses sintomas não fazem parte do quadro sintomático de outro transtorno mental, como por exemplo a demência, estados confusionais e, inclusive, o TOC. Nesse último caso, por exemplo, o diagnóstico seria de TOC com sintoma de colecionismo.
Devem ser investigadas a crítica e as crenças dos pacientes sobre seu comportamento de coleta excessiva de objetos, principalmente quando não há espaço disponível. No caso da acumulação de animais avalia-se, da mesma forma, o juízo crítico sobre o controle do espaço, os eventuais problemas sanitários envolvidos, a qualidade de cuidados dispensada aos animais, entre outros.
Alguns critérios de insucesso no tratamento do TOC se aplicam também no caso dos acumuladores compulsivos. Um desses critérios mais importante de sucesso está atrelado à autocrítica, aqui sistematizada em três possibilidades.
Visão boa ou razoável: Quando o paciente reconhece que as crenças e comportamentos referentes à dificuldade de descartar objetos recolhidos, à desordem, a ocupação do espaço ou aquisição excessiva são realmente problemáticas e gostaria que não fosse assim.
Percepção Pobre (insight pobre): É quando o paciente acredita, sem muita convicção, de que as crenças e comportamentos referentes a dificuldade para descartar objetos, a desordem ou aquisição excessiva não são problemáticas, apesar das evidências em contrário.
Percepção Delirante: Quando o paciente está completamente convencido de que as crenças e comportamentos referentes a dificuldade para descartar objetos, a desordem ou aquisição excessiva não são problemáticas, apesar das evidências em contrário.

Lidando com um acumulador
Acumulação é uma condição clínica que se caracteriza pela incapacidade de descartar qualquer tipo de posse. Este comportamento muitas vezes se agrava a ponto de causar desconforto para o indivíduo que o apresenta e aos seus entes queridos.
É importante reconhecer que a acumulação não tem apenas a ver com juntar coisas; ela envolve a ligação emocional com objetos.
Não existe uma maneira “certa” de lidar com este distúrbio, mas é preciso muita compaixão e compreensão para ajudar um acumulador a melhorar sua qualidade de vida.
Ajudando um acumulador

Comportamentos característicos
Acumuladores guardam itens em excesso e de forma desorganizada, frequentemente criando um ambiente perigoso. Eles costumam ser incapazes de descartar quaisquer itens, ainda que eles não tenham nenhum valor monetário. O motivo para guardar todos estes itens se divide entre sentimentalismo e medo de precisar deles no futuro.
Acumuladores frequentemente destinam cômodos inteiros em suas casas para guardar objetos em total desordem.
Eles costumam recolher jornais, revistas, folhetos e outros documentos que contenham informações, para poderem ler e digerir as informações no futuro, mas raramente os leem de fato.
Acumuladores se vinculam poderosamente aos objetos, e acreditam que estes oferecem uma sensação de conforto ou segurança. Eles podem sentir que descartar um objeto seria como perder parte de si mesmo.
Entenda as questões subjacentes que levam à acumulação
Os motivos por trás deste distúrbio variam de pessoa para pessoa, mas os acumuladores frequentemente mostram uma conexão emocional ou psicológica com os itens.
Eles também apresentam uma resistência ao falar ou pensar sobre a extensão da desordem que fazem.
Verifique frequentemente como o acumulador está
Caso você não more com ele, certifique-se de socializar com ele quando puder. Use suas visitas para determinar se as condições de vida dele estão melhorando ou piorando.
Você pode precisar avaliar se o acumulador chegou a um ponto no qual começou a representar um perigo para si mesmo.

Identifique o problema
Muitos acumuladores podem admitir seu desejo de guardar tudo, mas raramente entenderão preocupações com segurança e saúde. Eles podem não ver seu comportamento como problemático, e muitas vezes nem percebem o impacto que seus comportamentos têm sobre os outros.
Fale sobre suas preocupações sem julgar
Quando falar, tente não parecer crítico sobre a situação. Tente abordar os riscos deste comportamento para a saúde, incluindo a higiene, poeira e mofo. Aponte também os riscos de incêndio, e a dificuldade de escapar do local, por conta das saídas bloqueadas.
Tente não passar muito tempo falando sobre a desordem dos objetos em si, pois isso fará o acumulador se colocar na defensiva.
Por exemplo, você pode dizer que gosta da pessoa, e que está preocupada com a segurança dela. Diga que o apartamento anda muito mofado e empoeirado, devido a quantidade de objetos empilhados por todo lado, e que você acharia difícil sair com segurança em caso de emergência.

Peça permissão para ajudar
Um acumulador sofreria de um caso grave de ansiedade, caso alguém tentasse jogar seus itens fora sem pedir. Em vez disso, assegure que ninguém entrará na casa ou tocará nas coisas dele. Se ofereça para ajudar a classificar os itens ou pagar por um organizador profissional. Em última análise, o colecionador precisa ter a última palavra sobre o que fazer com os itens.