O resgate da humanização na hora de dar a luz

2015-04-10_190211

As medidas anunciadas pelo governo sinalizam um avanço em relação a prática de apoio contínuo e individualizado às gestantes na hora do parto

Na semana em que foi comemorado o Dia da Mulher, o Governo anunciou medidas importantes com o intuito de tornar o parto mais humanizado. O documento elaborado pelo Ministério da Saúde recomenda que todas as maternidades e centros de parto normal do país adotem essa postura, reduzindo procedimentos considerados desnecessários e melhorando de forma significativa a qualidade do atendimento à mulher durante esse momento tão singular.
E esse é, sem dúvida, um sinal de avanço em relação a um assunto tão relevante e delicado. Um passo adiante na bela tentativa de resgate do conceito primordial que rege a vinda de uma criança ao mundo, com todas as suas sutilezas e desafios. E entre as diversas recomendações da cartilha lançada pelo Ministério da Saúde, é possível encontrar a bem-vinda adoção de técnicas para alívio da dor e a contraindicação da chamada manobra de Kristeller – que consiste em empurrar a barriga da mãe para auxiliar na expulsão do bebê.

O papel da doula vem sendo resgatado nos últimos anos

Além disso, o documento também estabelece que a partir de agora, partos de baixo risco poderão ser feitos por enfermeira obstetra e obstetriz, além do médico obstetra. Mas sem dúvida, um dos pontos mais bem recebidos por todos que defendem arduamente o parto humanizado é o resgate do papel da doula – as novas diretrizes determinam que as maternidades garantam a presença delas durante o parto.
A cartilha também recomenda o imediato contato pele-a-pele entre a mãe e o bebê, métodos de alívio da dor (como imersão em água e massagens), liberdade de posição durante o parto e respeito à privacidade da família, além de não poder mais ser exigido jejum das grávidas. Todas essas questões essenciais que constituem o apoio contínuo e individualizado à gestante em parto, buscam trazer às mulheres mais dignidade e humanidade na horar de dar a luz. E sem dúvida, precisam ser defendidas com todo o empenho e perseverança possíveis

O retorno do papel ancestral da doula
A palavra doula tem origem grega e significa “mulher que serve”. Esse papel, que vem sendo resgatado nos dias atuais, já era desempenhado pelas mulheres desde a antiguidade. Hoje em dia, as doulas retomam seu lugar, ajudando a transformar a experiência do parto em um momento ainda mais especial e tranquilo, dando suporte físico e emocional não só na hora do nascimento da criança, mas também durante todo período da gestação e pós parto.
Até agora, a entrada das doulas não era permitida em todas as maternidades do Brasil, mas com as novas medidas, a situação começa a mudar. É importante frisar que a atuação delas durante partos já era reconhecida e estimulada, tanto pelo Ministério da Saúde quanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo diversos estudos, a presença delas pode diminuir índices de cesáreas, a duração do trabalho de parto, pedidos de analgesia peridural, uso de ocitocina e até mesmo o uso do fórceps.
Esse tipo de apoio que as gestantes recebem de doulas antes, durante e depois do parto não só aumenta a sensação de segurança e bem-estar da mãe, mas também ajuda a identificar e combater a temida depressão pós-parto. E esse ponto é muito importante. Em muitos países, como Canadá e Estados Unidos, o acompanhamento das doulas é incentivado pelos médicos há muito tempo.
Aqui no Brasil, as doulas já foram incluídas na Classificação Brasileira de Ocupação e podem obter certificados em cursos com até 200 horas/aula. Nesses cursos, elas aprendem não só a teoria envolvendo o parto, mas principalmente práticas que envolvem todos os cuidados com a mãe e o bebê em todas as etapas que envolvem o nascimento da criança. Também são abordados os cuidados que envolvem o respeito da proteção individual e das gestantes em um ambiente hospitalar.

Mas afinal, o que significa parto humanizado?

Antes de mais nada, é necessário esclarecer que o termo “parto humanizado” não deve ser compreendido como um tipo de parto, mas sim, um processo onde a gestação e o parto são vistos como eventos fisiológicos perfeitos (onde apenas 15 a 20% das gestantes apresentam adoecimento neste período necessitando cuidados especiais), cabendo a obstetrícia apenas acompanhar o processo e interferir apenas quando for necessário.

Humanizar o parto é respeitar esta fisiologia, e apenas acompanhá-la. É perceber e respeitar o papel protagonista da mulher que está para dar a luz, com todos os seus aspectos culturais, individuais, psíquicos e emocionais. É devolver às mulheres o direito de conhecimento e escolha. É permitir que as mulheres vivenciem o nascimento de seus filhos de forma ativa, participativa, completa.

A humanização do parto permite também a compreensão de que os processos naturais do ser-humano vivenciados por inteiro podem sim envolver dores, conflitos, medo. Mas que essas experiências levam a importantes transições, que embasam o crescimento, o amadurecimento das pessoas. A busca contínua dessa mudança de postura em relação ao momento do nascimento de uma criança pode trazer uma gama de benefícios para a mãe, para o bebê e até mesmo para os familiares.

Pioneirismo na região
Michele Furlaneto, doula e uma das pioneiras no desenvolvimento desse trabalho em Bento Gonçalves e região, vê um avanço importante na questão do parto humanizado no Brasil. “Diversas campanhas de conscientização que vem se espalhando por todo o país e isso faz com que aumente o número de gestantes que saem em busca de informações. Assim, o número de mulheres que conseguem ter um filho assistidas de forma mais humana é cada vez maior. Elas passam experimentam esse momento de um jeito muito mais tranquilo e feliz”, explica.
A doula visualiza num curto de tempo uma busca ainda maior e espera que a expectativa e meta de partos humanizados em nossa cidade e região sejam atingidas. E esclarece. “Para as mulheres, a presença de uma pessoa que a ajude a lidar com as dores, com o nervosismo, com as incertezas é muito importante. E principalmente que a ajude a reconhecer seu papel de protagonista em todo o processo”.
Michele explica que o trabalho da doula inicia antes do parto, ainda na gestação, com encontros para conhecer a mãe (e também o pai, quando houver interesse) que vai dar luz e informa-la sobre todo o processo. “Ela esclarece suas dúvidas, falamos sobre o plano de parto, as etapas, a preparação do períneo e tudo o que envolve o nascimento de seu filho”. É essencial levar informação e tranquilidade para a mãe e se for o caso, seu companheiro, para que eles vivenciem essa experiência sem medo e sem bloqueios.
O trabalho desenvolvido por Michele com as gestantes inicia com encontros na Divyna Luz Terapias Integradas para passar conhecimento físico e emocional com atividades práticas, buscando deixa-los prontos (mãe e companheiro, quando for o caso) para o momento tão desejado. “Também acompanho cesáreas, auxiliando na hora de levar o recém- nascido ao peito e também na troca de roupa e na sua recuperação”, pontua.
Para Michele, a presença da doula traz conforto à gestante na hora de dar a luz, não só físico, mas psicológico. “Durante o parto, no decorrer das contrações, nos ajudamos a mãe a encontrar as melhores posições, fazemos massagens e compressas que auxiliam no alívio da dor”, explica. Ela ressalta que a doula também ajuda o companheiro da gestante a sem evolver de forma mais ativa no trabalho de parto.
Mas o trabalho da doula não acaba na sala de parto, e Michele faz questão de marcar presença na casa dos pais após o nascimento, orientando em relação aos cuidados com o bebê, como primeiro banho e o início da amamentação. “Todo esse apoio, essa presença antes, durante e depois do parto ajudam a transformar a experiência de forma positiva, e traz muito mais serenidade para a família”. E finaliza. “É um momento único, especial e nos ajudamos às mulheres a vivenciarem ele de forma mais tranquila, retomando seu protagonismo na hora de trazer um filho ao mundo”.

Experiência de Gabriela Resch no parto acompanhado por uma Doula:

“Ter o acompanhamento da doula foi de uma importância enorme. Ela me olhou nos olhos e me ajudou a ficar firme. Primeiramente porque eu estava sozinha, minha família não é de Bento. Segundo porque eu estava com muito medo de ter parto normal e me senti muito mais segura com ela ao meu lado.

Gabriela afirma que presença da doula fez toda a diferença

O apoio, as massagens, a confiança, o preparo. Tudo ajudou. As dores começaram levemente sábado à noite, se estenderam o domingo todo. Quando ficaram mais fortes fomos ao hospital, ainda sem dilatação e as contrações não estavam ritmadas. Mas nesse momento meu medo era tão grande que me abalou psicologicamente, criando um certo bloqueio – as dores pareciam mais intensas que o normal. Nesses momentos, principalmente, a presença dela fez toda a diferença, me fez voltar ao controle da situação. Ficamos toda a noite no hospital, e a doula passou todo o tempo fazendo massagens e me acalmando porque eu estava muito nervosa.

Quando a bolsa estourou, o pai do bebê chegou e o Pietro veio ao mundo. Foi muito rápido pra mim, e apesar de ter ficado toda noite no hospital, não vi as horas passarem. O mais incrível é que depois que o bebê nasceu, esqueci completamente da dor. O tempo todo, pude contar com as palavras calmas da doula, sua orientação e apoio total. Como o pai do bebê estava trabalhando e só conseguiu vir de manhã, foi ela quem me levou para o hospital. E não tenho dúvidas que a papel dela, antes e durante do parto – até mesmo depois me orientando com o bebê – foi muito importante. Me senti amparada, verdadeiramente segura.

 

Michele Furlaneto é formada em educação Infantil. Terapeuta e consteladora familiar, instrutora de yoga para gestantes e na gestação que teve, foi em busca da formação para exercer a função de doula. Formou-se 2014 e é pioneira nessa prática aqui na região, tendo acesso a um dos hospitais de maior referência regional. Auxilia a gestante e seu acompanhante para obter um parto mais tranquilo e saudável.