O que acontece no cérebro durante a meditação?

2015-04-10_190211
Continuar ativo intelectualmente pode até atenuar esse impacto da velhice, mas até pouco tempo atrás os cientistas desconheciam remédios ou exercícios que realmente reduzissem o efeito do tempo na mente

O francês Matthieu Ricard estudava biologia molecular quando viajou para a Índia, em 1967. Por lá, tomou contato com os ensinamentos de líderes espirituais tibetanos, e algo despertou no seu cérebro. Ricard voltou para a França e concluiu os estudos. Chegou a tirar Ph.D. em genética celular e tinha uma carreira promissora na ciência. Mas, em 1972, aos 26 anos, decidiu voar de novo para a região do Himalaia para aprofundar o aprendizado nas filosofias orientais. E vive lá até hoje. O cientista francês se tornou um monge budista famoso e hoje transita em eventos como o Fórum Econômico de Davos, dá palestras no TED e lança best-sellers traduzidos ao redor do mundo – ele seria, inclusive, um dos confidentes do Dalai Lama. A fama ganhou um empurrão na década de 2000, quando pesquisadores da Universidade de Wisconsin, nos EUA, convidaram Ricard para participar uma série de pesquisas sobre seu próprio cérebro.
A equipe liderada pelo neurocientista Richard Davidson colocou 256 sensores na cabeça do monge para medir sua atividade neural com um aparelho de ressonância magnética. Durante o exame, o monge fazia sessões de meditação de compaixão, na qual o praticante deseja o bem a outras pessoas, que duravam três horas. Comparado a voluntários que não tinham a mesma experiência no método, o cérebro de Ricard produziu uma quantidade anormal de ondas gama, oscilações eletromagnéticas produzidas quando neurônios trabalham em sincronia. Cientistas acreditam que essas ondas estão ligadas à percepção de consciência, atenção, aprendizado e memória. As medições do cérebro de Ricard foram recordistas: nunca haviam sido registradas ondas gama tão fortes na literatura neurocientífica.
Davidson e seus colegas também detectaram uma forte atividade no lobo frontal esquerdo. A agitação neural nesse determinado ponto do cérebro do monge, de acordo com os pesquisadores, permitiria a Ricard uma condição privilegiada de vida: ele se sente mais feliz do que a média da humanidade e pensa menos em desgraças. Pelo conjunto da obra, o monge começou a ser perfilado na imprensa internacional nos idos de 2007, com a alcunha de O Homem Mais Feliz da Terra.
Essa eficiência é semelhante às habilidades cerebrais dos músicos, que precisam sincronizar a mente, a voz e os dedos para cantar e tocar violão, por exemplo. Músicos profissionais automatizam uma tarefa altamente complexa e parecem nem pensar mais na performance, uma perícia que fascina multidões. Nos meditadores, acontece algo equivalente na busca pelo foco.

Quanto mais, melhor
Mas o benefício da meditação vai muito além da agilidade mental. Com o avançar da idade, a camada mais superficial do nosso cérebro, o córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio, atenção e lógica, começa a diminuir. Outras áreas como a ínsula, o núcleo duro das emoções, e o famoso hipocampo, guardião da memória, também. Continuar ativo intelectualmente pode até atenuar esse impacto da velhice, mas até pouco tempo atrás os cientistas desconheciam remédios ou exercícios que realmente reduzissem o efeito do tempo na mente. Até que um experimento feito na Universidade Harvard trouxe a meditação de volta aos holofotes.
Divulgada em 2014, a pesquisa, capitaneada pela neurocientista Sara Lazar, mostrou que o mindfulness funciona como um antídoto contra o envelhecimento cognitivo. A equipe de Sara fez exames de neuroimagem em meditadores adultos de meia-idade e verificou que eles tinham uma capacidade cognitiva igual à de jovens de 25 anos. Os praticantes tinham mais neurônios. É um achado exuberante. Isso porque o encolhimento do hipocampo, por exemplo, está associado a várias doenças, desde a depressão até demências.
Um dos primeiros cientistas a se interessar pelos efeitos da meditação na saúde, o norte-americano Andrew Newberg começou a investigar a prática justamente atrás de um método contra a deterioração mental. Para testar o efeito das técnicas, o pesquisador recomendou a meditação de Kirtan Kriya a um de seus pacientes que chegou ao seu consultório reclamando que a cabeça havia começado a falhar. Na Kirtan Kriya, o indivíduo tem de repetir o mantra saa, taa, naa, maa, que pode ser pronunciado em voz alta, em silêncio ou incorporado a uma música. As sílabas se referem aos sons considerados primordiais para os hindus. Saa é infinito; taa, vida; naa, morte; e maa, renascimento, em sânscrito. Ao mesmo tempo que entoa o mantra, é preciso fazer movimentos ritmados com os dedos. Na sílaba saa, deve-se tocar o dedo indicador no polegar; em ta, o dedo do meio; em naa, o dedo anelar; e em maa, o dedo mínimo no polegar, e repetir a operação por até 12 minutos, todos os dias, se possível. O praticante deve pressionar as pontas dos dedos umas contra as outras ao ponto de deixá-las levemente esbranquiçadas. Esse tipo de gesto é chamado de mudras na tradição asiática.
Durante dois meses, o paciente de Newberg repetiu diariamente, durante 12 minutos, o mantra saa, taa, naa, maa. Depois desse período, voltou ao consultório do médico sentindo-se “outro homem”, conforme seu relato pessoal. É claro que a percepção do próprio paciente é importante, mas Newberg o submeteu a uma nova ressonância para ver se havia uma mudança cerebral que justificasse a euforia toda. O exame comprovou que houve de fato uma alteração detectável. As imagens mostraram que o córtex pré-frontal estava bem mais ativo do que antes.
Mas outras áreas também tinham ganho mais massa cinzenta. O córtex cingulado anterior, envolvido na regulação emocional, no aprendizado e na memória, estava mais alerta. Segundo Newberg, essa área é particularmente vulnerável ao envelhecimento. Pacientes com Parkinson e Alzheimer, por exemplo, apresentam uma atividade metabólica menor nessa região. Além disso, o cingulado anterior tem um papel preponderante na redução da ansiedade e da irritabilidade e no aumento da empatia. Em um teste, que consistia em um jogo para ligar os pontos, a melhora da sua performance comparada ao início do tratamento foi de 50%.