O envenenamento por pesticidas é responsável por um em cada cinco suicídios no mundo

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Países que proibiram os agroquímicos registraram queda de 70% no número de suicídios na área rural. Já no Brasil, de janeiro a outubro, o Ministério da Agricultura já autorizou 382 novos registros de agrotóxico

Um em cada cinco suicídios no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é causado por  ingestão de  pesticida  que provoca mais de 100 mil mortes por ano.
Para reforçar, a OMS cita o exemplo do país  Sri Lanka, que nas décadas de 1980 e 1990,  apresentava uma das maiores taxas de suicídio do planeta e os pesticidas eram responsável por dois terços dessas mortes.
Mas o país asiático proibiu os produtos químicos considerados mais perigosos, o que resultou em uma queda de 70% no número de suicídios entre 1995 e 2015.
Estima-se que 93 mil vidas foram salvas.  A OMS quer agora que outros países, incluindo a Índia e a Nigéria, sigam o exemplo do Sri Lanka, restringindo o acesso a pesticidas.
Já no Brasil, Ministros defendem liberação de novos agrotóxicos.
Em audiência na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, no  final de outubro de 2019, os ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Agricultura, Tereza Cristina, defenderam a liberação de novos registros de agrotóxicos no Brasil e negaram notícias de contaminação alimentar.
De janeiro a outubro, o Ministério da Agricultura já autorizou 382 novos registros de agrotóxicos. Considerando o mesmo período desde 2005, esse é o maior ritmo de liberação de produtos desse tipo. A ministra Tereza Cristina garantiu que há rigor nas análises prévias do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Essa gestão não modificou nada na legislação. O rito dos registros continua exatamente o mesmo, mas hoje a fila andou na Anvisa, o que é bom para os consumidores porque a agricultura vem usando produtos com mais baixa toxicidade. E muito mais [seguro] para aqueles que manuseiam esses produtos”, disse a ministra.
Um dos organizadores do debate, o deputado Ivan Valente (Psol-SP) criticou o atual ritmo de novos registros e de isenções fiscais para agrotóxicos.  “Naquela época, não se liberavam os agrotóxicos e [o agronegócio] precisava liberá-los e votar às pressas um projeto de lei aqui. O projeto foi votado na comissão e não precisou ir ao Plenário porque agora entrou o governo e vocês conseguiram liberar tudo na Anvisa. Não precisou de lei. Eu fico pasmo com isso. O Ministério do Meio Ambiente e a Anvisa liberam tudo”, disse Valente.
Já a ministra Tereza Cristina afirmou que a aprovação desse projeto de lei continua sendo importante para ampliar a segurança dos consumidores e dos produtores rurais. A Câmara também analisa uma proposta de política nacional de redução de agrotóxicos (PL 6670/16), apoiada pelos ambientalistas.

Desinformação
O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) manifestou preocupação com a paralisação do programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos (PARA) e com o nível de desinformação dos usuários quanto ao manuseio desses produtos.
Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE, 63% dos produtores rurais disseram não ter recebido orientação técnica sobre o uso de agrotóxicos.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admitiu a necessidade de foco em programas de capacitação dos pequenos agricultores. No entanto, Mandetta expressou confiança na qualidade do controle e fiscalização da Anvisa e demais órgãos.
“Estamos dando os passos com a segurança necessária para o momento e procurando proteger cada um dos consumidores. Nós não temos nenhum elemento para questionar, duvidar ou achar que existe algum complô contra a saúde pública brasileira. Pelo contrário, estou muito confiante que a gente está, a cada ano, aprimorando mais os nossos sistemas de controle”, disse o ministro.

Bioinsumos
Durante a audiência pública, a ministra da Agricultura anunciou para novembro o lançamento do programa nacional de bioinsumos, a fim de ampliar o uso de defensivos biológicos na agricultura. Segundo Tereza Cristina, os modelos convencional e orgânico são “complementares e não excludentes”.

Afinal, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo?

Grupos favoráveis e contrários à flexibilização da legislação sobre os produtos químicos discordam em relação ao título de que Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos
O título atribuído ao Brasil de “maior consumidor de agrotóxicos do mundo” é motivo de discordância entre grupos favoráveis e contrários à flexibilização da legislação sobre os químicos. A reportagem reuniu e analisou os principais levantamentos sobre o assunto para entender se há como bater martelo sobre a posição brasileira no uso de agrotóxicos mundial.
O principal dado sobre uso de agrotóxicos é o da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) feito pela consultoria de mercado Phillips McDougall. O trabalho é utilizado como referência tanto pelas indústrias do setor agroquímico, quanto por especialistas da área e ambientalistas.
O relatório compara o valor investido em pesticidas nos 20 maiores mercados globais em 2013 e atribui três rankings sob diferentes perspectivas: em números absolutos, número por área cultivada e por volume de produção agrícola.
A pesquisa mostra que naquele ano o Brasil foi o país que mais gastou com agrotóxicos no mundo: US$ 10 bilhões. Estados Unidos, China, Japão e França ficam, respectivamente, nas posições seguintes.
O segundo ranking divide os gastos totais pela área cultivada, ou seja, o quanto é investido em agrotóxico por hectare plantado. Na lista o Brasil fica em sétimo lugar, com US$ 137 por hectare. Atrás de Japão, Coreia do Sul, Alemanha, França, Itália e Reino Unido.
O terceiro ranking mostra quanto cada país gasta com pesticidas tendo o tamanho da produção agrícola como referência. Para isso, são divididos os gastos absolutos pelas toneladas de alimento produzidos. O Brasil é o 13º da lista (US$ 9 por tonelada), que mais uma vez é liderada por Japão e Coreia do Sul.
O informe anual sobre a produção de commodities da FAO, divulgado em setembro do ano passado, mostrou que o Brasil é o terceiro maior exportador agrícola do mundo. Segundo o levantamento, no ano de 2016, o país era responsável por 5,7% da produção agrícola do planeta, abaixo apenas dos Estados Unidos, com 11%, e da União Europeia, com 41%.
Os dados brutos do levantamento podem ser conferidos em inglês no site da Consultoria Phillips Mcdougall.O professor de Agroecologia do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG) Adriano Rodrigues chama de “disputa de narrativa” a discussão em relação aos dados divulgados pela FAO.
“É justamente sobre a correlação da área produtiva coberta e do volume de agrotóxicos. Somos o país que mais utiliza veneno no mundo. Porém, efetivamente, quando você considera a quantidade de hectares de área plantada no Brasil, que é muito grande, essa correlação nos faz cair no ranking”, pontua.
Já a pesquisadora Larissa Mies Bombardi, professora da Faculdade de Geografia da Universidade de São Paulo, questiona o cálculo feito no Ranking da FAO sobre uso de pesticida por hectare. Para ela, o dado que coloca o Brasil na sétima posição não reflete a realidade. “Quando se divide o consumo de agrotóxico brasileiro pela área plantada você dilui esse volume gigantesco. São considerados área cultivada regiões como de pasto, que são terras improdutivas. Essa conta faz com que o Brasil fique lá embaixo no ranking”, explica.
Larissa é autora de um dos principais trabalhos brasileiros recentes sobre o nosso consumo de pesticidas é o Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. O livro, publicado em 2017, traz levantamento de dados inédito sobre o consumo de agrotóxicos no Brasil (todos com fontes oficiais) e faz um paralelo com o que acontece na União Europeia. A autora compara a média de aumento mundial no consumo de agrotóxico com o brasileira, tendo como base os números de vendas de pesticida. Entre 2000 e 2010, cresceu em 100% o uso de pesticidas no planeta, no mesmo período em que o aumento no Brasil chegou a quase 200%. Segundo a apuração, cerca de 20% de todo agrotóxico comercializado no mundo é consumido no Brasil.
“Em termos de volume, desde 2008, Brasil e Estados Unidos revezam o primeiro lugar”, explica a professora, baseando-se em dados da própria indústria. A especialista diz que há dificuldades em fazer rankings dos países que mais utilizam pesticidas, pois as nações utilizam diferentes metodologias, o que dificulta comparações científicas. Sobre o levantamento da FAO, Larissa explica que as informações são passadas para a organização pelo próprios países.
“Não existe um monitoramento internacional para fazer a classificação”, pontua. Para o professor Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG) Adriano Rodrigues, além de observar os números da FAO é necessários analisar os efeitos causados pelo contato com os agrotóxicos. “Mais importante do que apenas dizer se somos ou não os maiores consumidores, é mostrar as consequências desse uso tão grande. O Ministério da Saúde emite relatórios que quantificam o número de intoxicações no Brasil por exposição a agrotóxicos, mais de 80 mil notificações”, diz.
Os dados citados pelo pesquisador fazem parte última edição do Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, publicado em 2018, que traz um compilado de dados de 2007 a 2015. A publicação mostra que neste período foram notificados 84.206 casos de intoxicação no Brasil — em unidades de saúde pública e privada.