MP estuda cruzamento de informações que pode esclarecer possível ligação de esquema de corrupção na Saúde em Bento

2015-04-10_190211

Em entrevista a Gazeta, o promotor público Alécio Nogueira investiga ligações da Operação Camilo dos contratos milionários sem licitação com a Prefeitura de Bento Gonçalves há mais de um ano

O Ministério Público Estadual (MPE), de Bento Gonçalves, terá um encontro virtual com representantes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para fazer o cruzamento de informações das investigações da Operação Camilo com supostas irregularidades nas contratações milionárias feitas sem licitação pela prefeitura em 2020, último ano da administração de Guilherme Pasin (PP).

A operação já resultou na prisão de políticos, incluindo o prefeito, e pessoas ligadas a empresas prestadoras de serviço para a saúde no município de Rio Pardo, deflagrada em maio do ano passado para investigar um esquema que envolve corrupção ativa e passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro, fraude a licitação e estelionato, cujo processo corre em segredo de Justiça.
Ao jornal Gazeta o promotor Alécio Nogueira, da Promotoria de Justiça Cível de Bento Gonçalves, do Ministério Público Estadual (MPE), afirmou ontem que a intenção é fazer um cruzamento de informações com participantes das investigações da Operação Camilo. “ Já remeti cópia do que tenho ao Gaeco Saúde e farei uma reunião com os colegas que estão na sua coordenação para ver se há alguma relação entre as situações”, confirmou.

Para o promotor, o objetivo principal é saber se há algum tipo de ligação entre o poder público municipal de Bento Gonçalves com a empresa que prestou serviços de terceirização de mão-de-obra e os indiciados na operação, que usariam laranjas para garantir a aplicação dos golpes. “Tenho dois Inquéritos Civis referentes ao caso, mas neles não há ainda vinculação com a operação em andamento no Estado”, revela o Nogueira.

Entenda o caso
Um empresário do setor de fornecimento de mão-de-obra e uma empresa contratada na área da saúde, em Bento Gonçalves, foram citados em conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) na investigação que desbaratou um esquema de corrupção na cidade de Rio Pardo. As investigações apontaram desdobramentos que indicam que o esquema pode ser maior do que apenas a fraude na saúde daquele município, com atuação em outras cidades gaúchas e até em Porto Alegre.

Em uma das conversas, a empresa é apontada por adulteração horas trabalhadas para superfaturar cobranças que resultaram em um prejuízo de quase R$ 500 mil também à prefeitura de Santa Cruz do Sul, o que teria sido confirmado por uma sindicância interna. Os indiciados na operação, que usariam laranjas para garantir a aplicação dos golpes, é o suposto empresário Fernando De La Rue, sócio da APL e também representante legal da MedSaúde. Segundo o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o nome do empresário foi citado pelo menos duas vezes nas ligações telefônicas interceptadas pela Polícia Federal em referências ao pagamento de propina a agentes públicos.

Inquérito aberto em Bento
O inquérito civil instaurado na Justiça Cível de Bento Gonçalves foi aberto em fevereiro de 2021 – sob o número 00723.000.221/2021 –, depois que uma denúncia anônima indicou suspeitas sobre a contratação da empresa, além de uma reportagem do Portal Leouve que revelou inconsistências e coincidências envolvendo as contratações.

Med Saúde e APL continuam oferecendo serviços em Bento
As duas empresas, MedSaúde e APL Apoio Logístico, foram contratadas entre abril e junho de 2020, ainda durante o governo de Pasin, que chegou a acumular a titularidade da secretaria de Saúde nos últimos seis meses de seu governo, e prestam serviços até hoje. O Ministério Público passou a investigar as contratações por algumas peculiaridades envolvendo as duas empresas, como suspensão e posterior inexigibilidade de licitação, não contratação da melhor proposta, suspeitas de superfaturamento e ligações não explicadas entre as empresas.

Contratos prorrogados, sem licitação, mesmo com investigações em curso
Mesmo com todas as suspeitas e investigações sobre as duas empresas, a relação comercial com a secretaria de saúde de Bento Gonçalves se manteve. Desde 11 de janeiro deste ano, a APL, que responde a processos por irregularidades também em Bagé, está impedida pela Justiça de contratar com governos, em uma suspensão que dura até este mês, o que, segundo entendimentos da Lei das Licitações, deveria impedir que a prefeitura celebrasse prorrogações do contrato após a punição.

Em fevereiro de 2021, o atual prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Siqueira que é ex-secretário de saúde, prorrogou o contrato mais uma vez, até junho, somando mais R$ 8 milhões ao contrato original, contrariando a promessa de realizar novo processo licitatório. A contratação da MedSaúde, em 2020, como anteriormente também foi feita sem licitação.

Em dezembro de 2020, no apagar das luzes da administração Pasin, a APL foi contratada depois que a prefeitura recusou contratar a empresa que apresentou a menor proposta na concorrência por dispensa de licitação. A comissão de licitação da prefeitura de Bento desclassificou as outras duas empresas concorrentes – o Instituto de Saúde Santa Clara e a empresa Sander Serviços Terceirizado – na fase de credenciamento, por não terem cumprido uma norma burocrática de identificação do envelope com a proposta. As empresas apresentaram recurso por serem impedidos de identificar o envelope, consertando o lapso, pelos representantes legais da empresa que participavam da concorrência.

Contratação
O contrato com a APL pôde ser celebrado com dispensa da licitação porque o Tribunal de Justiça do estado (TJRS) suspendeu em maio do ano passado o processo licitatório por divergências no edital quanto à exigência de comprovação de experiência prévia da empresa contratada na prestação do serviço. Como o contrato com a CCS se encerraria no mês seguinte e não havia interesse da prefeitura em renovar o compromisso, depois de impasses recorrentes entre a prefeitura, a empresa, os servidores terceirizados e o sindicato da categoria, a prefeitura alegou que não haveria tempo hábil para corrigir o processo licitatório e, assim, comprovou o caráter emergencial da manutenção dos serviços e a contratação não precisou seguir os ritos legais previstos em um processo licitatório.

Sem explicação oficial, a prefeitura de Bento Gonçalves não contratou a empresa que ofereceu a melhor proposta, e optou pagar cerca de R$ 1,5 milhão a mais para fechar com a APL, o que ocorreu em junho de 2020. A falta de uma explicação oficial e o prejuízo aos cofres públicos provocaram um questionamento do Ministério Público. A justificativa da Prefeitura, pela não escolha da empresa que apresentou o menor preço, seria pelo fato de poder existir conexões societárias entre a empresa que apresentou a menor proposta e a CCS.

Próximo passo
Para esclarecer e ligar todos os pontos entre as ações da Prefeitura de Bento Gonçalves na contratação e relação com empresas investigadas será a pauta da reunião que pode definir os rumos da investigação local que envolve ou não a prática de irregularidades que justifiquem uma denúncia à Justiça. Novas diligências deverão ser feitas e o inquérito ainda se encontra nas fases iniciais. Caso as averiguações não comprovem as suspeitas, o caso será arquivado.