Menos carvão, menos fogo! Preços da carne assustam consumidores

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Donos de açougues de bento Gonçalves revelam que o consumo de carnes caiu 50% e alguns cortes teve aumento de 100% nos últimos 18 meses

O bom e velho churrasco de domingo está cada vez mais ameaçado e muito, mas muito mais caro. De acordo com pesquisas divulgadas pelo Dieese, o preço da carne bovina chega a estar 10% mais caro, neste primeiro semestre de 2021. Tudo pode piorar ainda mais, já que o mercado aponta que o preço da carne bovina ao consumidor não deve cair. Pior, a pressão sobre os preços das proteínas animais deve permanecer ao longo do próximo ano.

Um levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESpro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) dez tipos de cortes de carne bovina tiveram alta no primeiro trimestre desse ano. O estudo avalia o preço médio em açougues, casas de carnes e supermercados.

Preços
A costela, por exemplo, somente nos primeiros três meses do ano, apresentou uma variação de preço chegando a R$ 43, em média o quilo, elevação de 10,3%. Ainda aparecem a maminha e o entrecot, ambos com alta de 7,5%, entre janeiro e março.

Realidade local
O preço das carnes continua subindo e pesando no bolso dos brasileiros. Em 12 meses a alta acumulada já chega a 35,68%, segundo dados do IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo 15), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apenas no mês de maio, o preço das carnes registrou alta média de 1,77% no país, de acordo com o instituto. Mas, a realidade para o consumidor de Bento Gonçalves pode ser ainda mais salgada. Segundo proprietário de um famoso açougue, no bairro São Roque – que preferiu não se identificar –, alguns cortes tiveram aumento de 100% nos últimos 18 meses.

“A carne é muito apreciada aqui no Sul, nós valorizamos muito, por isso sentimos bastante esse aumento dos preços. Em um ano e meio, a carne bovina, praticamente, dobrou de preço”, conta.
Ainda segundo o proprietário, o aumento do preço reflete rapidamente na gôndola. “Queda de consumo é expressiva. Para algumas carnes a queda passa de 55%. Para saber como está o mercado, um bezerro que se comprava por R$ 900, hoje não sai por menos que R$ 3.000”, avalia.

Consumo cai 55%
A disparada nos preços das carnes somada à perda de renda dos brasileiros por causa da pandemia de Covid-19 fizeram com que o consumo desses alimentos no país caísse ao menor patamar em 25 anos, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Agora, cada brasileiro consome, em média, 26,4 quilos de carne ao ano, queda de quase 14% em relação a 2019 —quando ainda não havia crise sanitária.

Esse é o menor nível desde 1996, início da série histórica da Conab. Só nos primeiros quatro meses deste ano, o consumo per capita de carne bovina caiu mais de 4% em relação a 2020.
Essa queda no consumo é facilmente notada segundo aponta o açougueiro da Casa de Carnes Razzera, Ricardo Frana, 40 anos, tem 25 anos de experiência. “Fato, consumo baixou muito devido ao preço. Pela minha experiência vejo que o consumo reduziu pela metade”, comenta.

Para Frana, o preço é principal motivo dessa queda. “A carne para churrasco aumentou muito nos últimos meses, também carnes para fazer bifes. Agora o pessoal tem comprado mais carnes de segunda como agulha ou as carnes que estão em oferta”, aponta o açougueiro.

Nacional por preço de importado
Para um dos proprietários da Loja de Carnes Beltram & Comin, Giovane Comin, a alta nos preços é sentida em todos os setores afetando os mais variados cortes. Mesmo os clientes que gostam de cortes mais nobres têm sentido no bolso a diferença nos valores. “Apesar dos nossos clientes terem mantido o consumo, notamos uma reação. É possível perceber um não desperdício da carne, eles (consumidores) levam o que, de fato, vão consumir”, explica.

Para Comin, a frequência da sua clientela se manteve, mas é receoso quanto ao cenário que ainda está por vir. “O que tem acontecido muito é uma adaptação do cardápio, mudança nos cortes consumidos. Para você ver, tem carne nacional que está praticamente o mesmo preço de uma carne importada”, compara. Ainda segundo ele, a qualidade de grande parte dos estabelecimentos de Bento Gonçalves trabalha com carnes de alta qualidade e muitos não repassaram os aumentos de forma integral.

De opção para vilão
O frango, uma das principais fontes de proteína na mesa dos brasileiros, também está mais caro no Rio Grande do Sul. No acumulado de 12 meses fechados em maio, o frango em pedaços registrou crescimento de 16,85% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE. O produto é geralmente uma das primeiras alternativas escolhidas pelos consumidores na tentativa de driblar altas nos preços dos cortes de carne bovina.

Mesma realidade nos mercados
Para o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, o consumidor está procurando alterar suas opções migrando para outros alimentos. “O consumidor migra seu consumo conforme o poder de compra. Há uma migração clara para proteínas mais baratas. Este cenário não se dá somente nas proteínas animais”, explica. “O cliente que adquiria um iogurte e teve o poder de compra reduzido foi para uma bebida láctea, ou trocou seu café da manhã. O cliente que comprava um corte bovino e teve dificuldades, migrou para o frango, e assim em todas as categorias”, aponta Longo.

O presidente também falou sobre a expectativa do setor supermercadista para a alta dos preços. “O cenário agora é de estabilidade, até pelo momento de estagnação do dólar. Não deverão ocorrer altas substanciais nos próximos dias”, indica Longo.

O que influencia no preço?
Entre os motivos para essa disparada nos preços da carne bovina, segundo o IBGE, está o dólar alto – atualmente negociado na casa de R$ 5,30 – e o aumento nas exportações, o que diminui a oferta de carnes no país. A indústria alega custos maiores com alimentação animal. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) pediu novas desonerações tributárias ao governo e a implementação de medidas que viabilizem importações de insumos com custos mais baixos.

De acordo com a entidade, o milho e a soja, insumos básicos que compõem 70% dos custos de produção, subiram mais de 100% e 60%, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano passado. No caso do milho, há um agravante, com a quebra de safra pela seca no Brasil impulsionando as cotações

A demanda do mercado externo também é uma das causas da alta. O Rio Grande do Sul exportou 24% a mais nos primeiros meses de 2021 do que o mesmo período do ano passado. Outro fator que tem forte influência sobre os preços no país, é a suspensão, por 30 dias, da exportação de carnes na Argentina. A medida foi comunicada pelo Governo argentino no final de maio na tentativa de reduzir os preços e conter a inflação no país vizinho.

Sem expectativa de redução
Precisamos considerar alguns fatores importantes para que os preços da carne bovina e proteínas animais, em geral, tenham queda: ainda não houve tempo hábil de retenção de fêmeas para aumentar a oferta de animais.

Sazonalmente os embarques de carne ganham força no segundo semestre, projetando ainda um dólar médio acima de R$ 5,00 e considerando que o Brasil deverá se recuperar de maneira mais lenta do que prevíamos e que o varejo foi um dos setores que menos repassou a alta do boi gordo aos consumidores (ou o que mais perdeu margem, é seguro afirmar que o preço da picanha ainda vai deixar o churrasco do fim de semana muito salgado.