Lei pode proibir venda de orgânicos em supermercado?

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Depois da polêmica notícia de um projeto de lei que proibiria os supermercados de comercializar orgânicos, o Presidente da Associação Gaúcha de Supermercados, Antônio Longo, garantiu que não há nenhuma restrição.

Um projeto de lei considerado polêmico por supostamente sugerir a proibição da venda de produtos orgânicos em supermercados foi aprovado na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados no último mês. O PL n. 4576/2016, de autoria do Deputado Edinho Bez (PMDB-SC) está sendo analisado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Após o parecer, seguirá para o plenário da Câmara.
Criado para alterar alguns artigos da Lei nº 10.831, de 23 de dezembro 2003, o projeto pontua que os produtos orgânicos têm preços mais elevados que os produtos convencionais e que isso pode atrair “comerciantes desonestos às feiras especializadas”.
O autor argumenta que isso “trata-se de uma prática deplorável que, além de prejudicar aqueles que efetivamente se dedicam à agricultura orgânica, constitui fraude e crime contra as relações de consumo. Consoante o dito popular, o consumidor pode ser levado a comprar ‘gato por lebre’”, afirma.

Artigo polêmico
O artigo 3 do projeto define que a comercialização direta de produtos orgânicos aos consumidores se realizará “exclusivamente por agricultores familiares inseridos em processos próprios de organização e controle social, previamente cadastrados junto a órgão da Administração Pública Federal responsável pelos assuntos concernentes à produção agropecuária”. O inciso III, que dispõe sobre a suposta restrição de comercialização em supermercados, determina a venda “em propriedade particular ou em feiras livres ou permanentes, instaladas em espaços públicos”.
Depois de ser criticado, o relator do PL 4576, o deputado e agricultor Luiz Nishimori, negou que o projeto proíba a comercialização em supermercados e emitiu uma nota explicativa na terça-feira (03) ). “No Art. 3º-A, define-se como ‘propriedade particular’ qualquer estabelecimento comercial, com por exemplo, supermercados, mercados, dentro outros”, comenta.
“O projeto de lei trará benefícios diretos aos produtores rurais que realmente investem e observam os preceitos da agricultura orgânica, assim como, para os consumidores que contarão com maior garantia dos produtos que adquirem”, acrescenta Nishimori.

Falsa justificativa
Para Luíza Tavares, da equipe de comunicação do movimento Slow Food Brasil, o projeto surge com um discurso de que é para melhorar a fiscalização desses produtos. “Mas, mais uma vez, se percebe uma falsa justificativa positiva em detrimento de outros interesses: dificultar o acesso a produtos orgânicos e, consequentemente, à produção. Ou seja: não há benefício nem para o consumidor, nem para o produtor”, observa. “Como consequência, só será permitida a venda direta dos produtos, em feiras livres, sem intermediários, o que inviabilizaria a venda em supermercados, por exemplo – o que só seria positivo se, realmente, tivéssemos espaços próprios para que os agricultores não dependessem da venda indireta”, opina.
Luiza relembra que Luiz Nishimori é relator ainda do PL 6299/2002, mais conhecido como “PL do Veneno”, que facilita o uso de 9 agrotóxicos no Brasil.

Falsa ilusão do orgânico
O agricultor e produtor orgânico Gilmar Cantelli, de São Pedro, explica que é ilusão o consumidor avaliar se um produto é orgânico apenas pela aparência. “Não significa que o produto feio seja orgânico ou o bonito seja convencional, entra em questão muitos pontos, entre eles o manejo. Por exemplo, o tamanho da cenoura depende do jeito que ela é plantada. A maioria das pessoas entra nessa jogada, até mesmo na feira ecológica”, alerta.
Cantelli possui o selo Ecovida e diz que no Rio Grande do Sul mais de 90% dos agricultores que trabalham com orgânicos são agricultores familiares. “O nosso caso por exemplo é uma associação, em que cada um do grupo é responsável por fiscalizar o outro. Estamos em 27 sócios, fazemos vistorias em propriedades entre nós, têm participantes de outras associações que vêm analisar se estão todos de acordo com as normas do Ministério da Agricultura. Se um vacila, todo o grupo perde a certificação”, comenta sobre a atual fiscalização e produção de produtos “livres de agrotóxicos”.
“No verso da certificação tem todos os produtos que você tem direito da venda. Para ir ao supermercado, tem que ter selo na embalagem, se é a granel não tem como colocar o selo. Mas o estabelecimento pode ser questionado sobre a certificação do produto que está sendo vendido ali”, sugere.
O agricultor acrescenta também que o processo para se tornar produtor orgânico é demorado e exigente e que é preciso desconfiar da venda de frutas denominadas como orgânicas “fora de época”. Ele também explica que, diferente da produção do convencional, o orgânico tem uma restrição do que pode ser usado no plantio. “Pode usar sulfato de cobre, nutrientes, enxofres naturalizados, óleos de neen (que repele os insetos), produtos dentro da legislação. A maioria dos insumos químicos que a convencional usa não podemos, não temos nenhum herbicida na produção orgânica, até tínhamos um mas foi proibido”, salienta.

Aumento da venda de orgânicos nos supermercados

O Ranking da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) 2017, divulgado em abril, consultou os supermercadistas para saber a participação dos produtos orgânicos nas gôndolas gaúchas. Estes produtos cresceram em representatividade, e já abrangem 1,41% do total de itens comercializados pelo setor. Em 2016, os orgânicos respondiam por 1,31%. “O consumidor está cada vez mais preocupado com sua saúde. Nas verduras, a participação de orgânicos chega a 8%”, destacou Antônio Cesa Longo, presidente da associação.
Longo acredita que a lei irá valorizar o produtor rural. “Em momento algum a lei diz que os orgânicos não serão vendidos em supermercados. A lei segue regras e exige controle maior. 100% dos supermercados continuarão comercializando os produtos”, ressalta.

Produtora rural de produtos orgânicos, Dalvina Maria Osmarin Cantelli