Juiz proíbe participação de menores em seleção de modelos e restringe atuação de agências

2015-04-10_190211

A decisão do Ministério Público foi aplicada somente para uma agência de modelos, mas atinge à todas que ganham em cima de promessas que quase nunca cumprem

Uma decisão da Justiça do Trabalho, publicada no dia 8 de setembro, surpreendeu o ramo da moda no Rio Grande do Sul. Isso porque o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Uruguaiana proibiu que menores de 16 anos participem de seleções para modelos. A decisão, aplicada especificamente para a empresa Dilson Stein New Models, de Horizontina (que realiza eventos em vários municípios, inclusive Bento Gonçalves) abrange todo o Estado.
A agência ficou também vedada de divulgar nas mídias sobre eventos de seleção. Das quatro etapas que o menor participava, as duas últimas eram cobradas. Portanto, o juiz substituto da 2ª Vara do Trabalho de Uruguaiana, Marcos Rafael Pereira Pizino, responsável pela sentença, entendeu que a cobrança gera lucro com a intermediação de mão de obra infantil, o que é vedado pela Convenção 181 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“O fato de crianças e adolescentes serem selecionadas para permanecerem à disposição de agências, pode lhes causar efeitos negativos e prejudiciais, dentre os quais, inviabilizar fiscalização prévia dos locais e dos horários em que serão exercidos os trabalhos. Também impossibilita cumprimento da exigência de autorização individual para cada trabalho, aumenta desproporcionalmente a oferta de crianças e adolescentes no mercado de modelagem, levando-os à coisificação, e dificulta a identificação dos responsáveis pelo descumprimento da legislação trabalhista”, constatou. O dono da agencia de modelos se defende, garantindo que vai conseguir reverter a decisão.

“Golpe das passarelas e das novelas”
Muitas crianças sonham em brilhar em passarelas e para as câmeras da televisão. Os pais então, para verem os filhos felizes, buscam formas de conseguir alcançar esses objetivos. No entanto, a indústria da moda, que pode oferecer uma gama de trabalho sério, pode também ser impulsionadora de golpes praticados por falsos “scouters” (agenciadores).
Caso exemplar aconteceu com L.S, moradora de Bento Gonçalves, que viu o anúncio de uma seletiva de modelo através da internet e resolveu levar a filha de 13 anos. “Lá, nós passamos por etapas. Pagamos R$ 2.500,00 e depois mais R$ 2.500,00”, conta. O valor, segundo ela, era para “custear” um book fotográfico. “Até hoje nada aconteceu. Nós perdemos este valor e ficamos com o tal book que só serve para criar pó”, lamenta. A vítima do golpe, que não quis se identificar por medo de represálias, afirma que ainda paga as parcelas. “Ofereceram a oportunidade da minha filha de ir a São Paulo, mas teríamos que desembolsar mais R$ 5.000,00 mil”.
Este tipo de relato é muito comum das chamadas vítimas do “golpe das passarelas e das novelas” . Rosangela Bresolin, que atua há 23 anos no ramo da moda e concursos em Bento e região, alerta que é importante os pais ficarem atentos à ofertas fáceis. “Para crescer, assim como outra qualquer profissão, é preciso sempre ir em cursos, estudar. E estas seleções prometem pular estas etapas”, diz. “”Nesta minha trajetória já vi muita falcatrua. Já vi muitas famílias que vendem carro, terreno para ir atrás do ‘sonho’ e não das em nada”. A profissional ressalta que toda a promessa que parece ser muito tentadora deve ser desconfiável.
O golpe aplicado em G.V, de Garibaldi, foi com uma agência de modelos infantis. “Eu recebi uma mensagem no Facebook de uma moça que elogiou a minha filha, disse que ela era muito fotogênica e serviria para ser modelo”. Iludida, a mãe pagou R$ 190,00 para o “cadastro” na agência de modelos. “Recebia mensagens diariamente da moça pedindo para eu depositar o valor, que haveria uma seleção para uma marca de roupas em breve e minha filha era o perfil ideal”. Depois do depósito, as mensagens cessaram e, dois anos depois, a menina ainda nunca foi chamada para nada.
“Estou bem feliz com a oportunidade da minha filha”
Já para Rosemar Pereira a história tem um final feliz. Ela conta que foi com a filha, há dois meses, em uma seleção para aspirantes a modelos que ocorreu em um hotel de Bento. Apesar da menina ainda não ter alavancado na carreira, Rosemar está bemconfiante e contente. “Foi uma coincidência eu ter ido. Fui mais porque a minha vizinha me avisou e resolvi levar a minha filha. Ela foi selecionada e fomos para uma segunda etapa em Lajeado, onde ela se apresentou para a Record, SBT e gostaram muito dela”, diz.
No entanto, Rosemar precisaria pagar um valor para ir para a terceira etapa, em São Paulo. “Aí teríamos o contrato garantido. No ano que vem nós vamos ir”, garante, acrescentando que tem o conhecimento de golpes neste ramo.

Reclamações em sites
Em sites como “Reclame Aqui”, há muito depoimentos reclamando de agenciadores e seleções de modelos.
“Fui hoje com minha filha a uma etapa (2) de seleção para modelos. Ela foi selecionada pelo Facebook. Várias de suas amigas também foram. Chamo isso de trabalhar na quantidade e não na qualidade porque quase todas as pessoas foram ‘aprovadas’ para a etapa 2 (…) O que me chamou a atenção foi quando um mediador deu a palestra e com boa técnica de convencimento para crianças e adolescentes que lá escutavam, cobrou uma taxa de R$200,00 de cada candidato para ter uma aula de passarela na etapa 3 no Domingo. (…)”
“Bom veio aqui reclamar desta empresa para meninas, assim como eu, não cairem na lábia. Tudo começou quando eu vi um anúncio no Facebook . Lá fui eu interessada. Na primeira fase é tudo flores falam que se você for aprovada é porque você tem muitos chances e fazem você pagar uma taxa de R$ 200 logo de cara. Depois disso fui aprovada tive que pagar R$3.200”.
“Relutei bastante para tomar esta decisão, mas como meu marido está desempregado há mais de um ano, me encorajei a procurar uma agencia de modelo infantil para cadastrar a minha filha. O meu primeiro contato com a dona da agência foi através de whatsapp. Ela de cara se mostrou encantada com as fotos da minha filha e acabamos marcando uma entrevista para a semana seguinte (sexta-feira). Chegando lá, recebi vários elogios a minha filha – realmente ela é uma graça. Conversamos bastante e ela me explicou como funcionava a agência e logo me deu o folder do fotógrafo para marcamos as fotos. No outro dia (sábado) ela me mandou um whats e assim iniciou o áudio: E então já pensou se vais fazer o cadastro conosco? Casualmente recebi solicitações para crianças loiras e pensei em vocês. Na hora fiquei empolgadíssima pois logo imaginei que teríamos um retorno rápido, já que a nossa situação financeira não estava favorável para o investimento. (…) Acabei me sentindo constrangida a negar e aceitei fazer o Book mais o cadastro com eles, então marcamos as fotos para a semana seguinte. Em nenhum momento fui obrigada a fazer, mas que eu me senti induzida e pressionada, isso eu não posso negar”.

Golpes mais comuns da carreira de modelo
Exigir material fotográfico sem contratar
Só é necessário fazer um book fotográfico e compositesse você for admitido oficialmente pela agência, o que se dá por meio de contrato. Muitos estúdios fotográficos se fazem passar por agência com o propósito de vender books (que custam entre 900 e 2.000 reais), mas nunca buscam trabalhos para os modelos.
Prometer trabalhos específicos
A agência não tem poder para escolher trabalhos, apenas faz uma mediação entre a modelo e os clientes (estilistas, publicitários, diretores de elenco, etc.). O cliente avalia o material fotográfico disponibilizado pela agência e analisa se os modelos têm ou não o perfil desejado para a campanha.
Falsos agentes
Muitos estelionatários se passam por agentes, mas busque averiguar a informação com a agência para saber se é verdadeira.
Autor da Globo já se manifestou sobre o assunto
O autor Walcyr Carrasco já se manifestou sobre falsos testes para novelas. Na época em que escreveu a novela “Verdades Secretas” ele disse que não existem testes na Globo. “Esses testes não existem. Não da forma como estão pensando. Nenhuma televisão ou produtora abrem testes indiscriminadamente. Imaginem se a Globo avisasse que dia tal, mês tal, haveria testes livres para quem chegasse. Juntaria uma multidão na porta, capaz de demolir o Projac”, contou. “Testes, só de acordo com as características exigidas. Entre atores já profissionalizados. Ou seja, que têm o DRT, o direito de exercer a profissão. Para conseguir o DRT, ou se faz um curso legalizado de uns três anos ou se presta um exame no sindicato, com a comprovação de trabalhos em teatro, inclusive. Só com DRT, o ator ou atriz podem se candidatar a um papel. Pode ser a mulher mais linda do mundo”, acrescentou.

Contato difícil

O jornal Gazeta tentou entrar em contato com SBT, Record e Globo para averiguar como é feita a seleção e testes para atores, mas não conseguiu retorno. O processo para ter o contato é feito somente através de e-mail, o que pode dificultar a busca da averiguação da veracidade dos testes pelas vítimas.