Governo municipal não conclui obras de creches e mães vivem o drama da falta de vagas para seus filhos em escolas infantis

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Obras que deveriam ter sido concluídas em 2015 viraram abrigo para moradores de rua, enquanto muitas crianças vivem o drama da falta de vagas em creches de Bento. Páginas 08 e 09

Obras que deveriam ter sido concluídas em 2015 viraram abrigo para moradores de rua, enquanto que muitas crianças vivem o drama da falta de vagas em creches de Bento

As inscrições para as escolas infantis terminaram no dia 24 de novembro e nesta semana os pais receberam o tão esperado “sim” ou o tão frustrante “não”. No último grupo está Thaís Xavier, que trabalha como copeira e tem uma filha de um ano e onze meses. Ela tentou pela primeira vez uma vaga (na escola da Vila Nova) e, diante da negativa, vai pagar uma pessoa para cuidar da criança. “Mas não tenho condições financeiras porque o salário que ganho não é muito”, lamenta.
Thaís tinha ido se informar no início de 2017 sobre como funcionava as inscrições. “Na época, eu estava desempregada e escutei que se eu estava em casa eu poderia muito bem cuidar da minha filha”, relata. A mãe está indignada porque viu um homem em um veículo Land Rover buscando o filho nesta mesma escola que tentou a vaga. “Eu acho que se ele tem condições ele poderia muito bem dar oportunidade para quem realmente precisa”, diz.
Apesar do fato deste pai ter um veículo de luxo, segundo o Estatuto da Criança e Adolescente, toda a criança e adolescente tem direito ao acesso à escola pública gratuita e próxima da sua residência. Para uma reportagem da Gazeta em novembro, a então promotora de justiça substituta de infância, Lisiane Rubin, confirmou que a comprovação de renda pelos pais não é legal. “De qualquer sorte, não há exigência legal de comprovação de renda ou estado de vulnerabilidade, uma vez que a lei não excepciona o direito à vaga em creche ou pré-escola, que é de toda a criança, independentemente de critério econômico ou social, imposto administrativamente” afirmou.

Meta do Plano Nacional da Educação
Em 25 de junho de 2014, foi sancionada a Lei Nº 13.005, que relatou o Plano Nacional de Educação. A lei vale até 2024 em todo o país e tem como meta número um “(…)ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE”. Uma das estratégias do plano, é de “definir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, metas de expansão das respectivas redes públicas de educação infantil segundo padrão nacional de qualidade, considerando as peculiaridades locais”.
Segundo o conselheiro tutelar Leonides Lavinicki, atualmente 2472 crianças estavam matriculadas em escolas municipais infantis até novembro, no entanto, 519 aguardam na fila de espera. O número corresponde a 43,8% das crianças matriculadas do total de 6.282 registradas em Bento de 0 a 3 anos. Ou seja, o município ainda não alcançou a meta.
Outra mãe que ficou fora do grupo do “sim” é Juliana Jardim Costa, recepcionista e diarista, que tem um filho de dois anos. Na primeira tentativa, ela tentou vaga na escola Feliz da Vida, no Borgo. Além do desânimo de ter que encontrar outra solução para o próximo ano, Juliana também comentou sobre a quantidade de documentos exigidos para a inscrição, tema de reportagem da Gazeta no mês passado. “É um absurdo a quantidade de documentos exigidos, estou decidida a procurar a delegacia de educação, pois não tenho condições de arcar com o valor de uma escolinha particular”, salienta. “Fui informada de que não há como conseguir vagas, pois as escolinhas estão sempre com suas vagas preenchidas, principalmente na turma do maternal que seria o caso do meu filho”, acrescenta.

Vagas compradas
Uma das soluções encontradas pela prefeitura para diminuir o número de espera, é a compra de vagas em escolinhas particulares. O município arca com R$ 500 líquido, e os pais complementam com o restante da mensalidade da instituição. O mês de janeiro não é custeado pelo executivo, que só começa a pagar em fevereiro, depois da compra da vaga ser concluída. De acordo com Cristiane Ramos, presidente da Associação das Escolinhas Particulares, a prefeitura não efetivou a compra das 500 vagas que tinha prometido, mas sim, 401, ou seja, 20% a menos do esperado. As 17 escolas particulares cadastradas na modalidade têm disponibilidade de absorção de mais que 500 vagas em 2018, totalizando 556 vagas disponíveis para compra.

Associação de escolas
Segundo o levantamento feitopela entidade, as escolas pertencentes à associação teriam ainda capacidade extra (tomando por base o PPCI) de receber mais 500 alunos, caso o executivo determinasse. Para Cristiane, a parceria é um bom negócio. “Existem crianças fora da escola. Hoje já existe esta parceria entre as escolinhas particulares, que se oferecem para suprir essa demanda. E é a escola quem se responsabiliza pelas crianças, a Prefeitura só precisa se preocupar em colocá-las lá. Uma escola particular tem uma série de cobranças, trabalhamos com professores formados. É preciso dar a base para a criança, é nesta fase que ela cria a personalidade que vai levar para a vida”, avalia.

Pais pagam a diferença nas vagas compradas
A auxiliar administrativo C.C, que quis usar somente as iniciais por medo de represália, conseguiu para 2018 uma vaga comprada para a filha de 2 anos e 4 meses. “Tentei para 2017 mas tive uma resposta negativa. Para o outro ano já me deram certeza. Mesmo assim vou ter que desembolsar R$335 mensais para completar o valor”, pontua.
Para a mãe, o problema da cidade é a falta de creches. “Inicialmente, pensei que a exigência da documentação seria justo para comprovar a renda. Mas por outro lado, é ridículo porque se a lei diz que não importa a renda, eles não deveriam cobrar tanta documentação. Acho que a prefeitura deveria investir mais na educação, construir novas creches para preencher essa grande falta das vagas. Muita gente não tem nem condição de pagar nem mesmo a diferença da vaga comprada da prefeitura”, completa.

Desespero das mães
Em junho, a Gazeta fez uma reportagem sobre as mães que precisaram deixar de trabalhar para conseguir cuidar dos filhos. Simone Zanin deu seu depoimento e contou que em janeiro de 2017, quando conseguiu um emprego, tentou procurar a Secretaria Municipal de Educação (Smed) para colocar seu filho em uma creche pública.

Desistir do emprego
Feliz com a colocação profissional, ela precisou declinar da oferta. “Fui fazer a inscrição na Smed para o meu filho e não consegui pois precisava da declaração da empresa que eu estava trabalhando e um contracheque e mesmo assim não garantiram que eu iria ter a vaga. Tive que desistir do emprego porque não iria conseguir arcar com uma escola particular”, lamentou.
Simone tentou novamente em novembro, mas sofreu outra decepção. “Fui lá ver na segunda-feira (04) os selecionados e ele não estava na lista. Mandaram eu aguardar. Quem sabe surja alguma vaga e ele seja selecionado em fevereiro”, conta. Ela trabalha agora com faxinas para ajudar nos gastos de casa. “Só consigo trabalhar pela manhã, porque minha outra filha fica em casa para cuidar dele. O município tem que construir mais creches. Estas crianças sozinhas não têm como ficar”, diz.
A família de Simone não mora na cidade e ela continua não tem com quem deixar Guilherme, que agora está com 1 ano e 9 meses. Pagar uma escola particular, no momento, é inviável. “A mensalidade é o valor do salário que estão oferecendo no mercado. De carteira assinada, iria trabalhar só para pagar a escolinha”, relata.

Deixou de pagar a moradia
O drama também toma conta da vida de J.G.J, que tem uma filha de dez meses. Professora, ela tentou vaga na Doce Infância, no bairro Aparecida. Foi a segunda tentativa da mãe, que desde agosto paga R$700 em uma escola particular. “Não tenho com quem deixar a minha filha. Faz três meses que não pago a prestação do apartamento porque não tenho com quem deixar a minha filha. Estou pensando seriamente em não trabalhar pra ficar com ela ano que vem”, comenta.
Neste mês, depois de receber uma notificação do banco que perderia o apartamento se não pagasse a conta, optou por colocar em dia esta dívida, mas precisou atrasar o repasse para a escola. Ela entrou com um processo na Defensoria Pública e aguarda um recurso.
Jenny Machado também diz que se de fato não conseguir uma vaga, irá procurar a Defensoria Pública. Ela é auxiliar de higienização e por enquanto paga uma vizinha para cuidar do filho. Quando a mulher tem compromissos e não pode ficar com o menino, de três anos, Jenny precisa pedir folga do emprego. “Tentei colocação na Escola Mamãe Coruja, e da primeira vez, na Toque de Carinho, porque morava lá. Agora, pretendo ter uma resposta da Smed até fevereiro. Caso contrário, buscarei meus direitos legais”, revela.

Obras abandonadas
A falta de vagas contrasta com uma triste situação: duas escolas que teriam que ter sido entregues à comunidade em 2015, e que supririam uma demanda para 240 crianças, estão com as obras paralisadas e sofrem o descaso do abandono.
As escolas EMI no loteamento Bertolini e do Loteamento Santa Fé (que deveriam ter sido concluídas ainda em julho de 2015), viraram elefantes brancos, locais de abrigo para moradores de rua. Ao adentrar nas construções, a equipe de reportagem se deparou com materiais de construção empilhados, madeiras e pregos espalhados, paredes pichadas, poças da água, torneiras abertas, e até mesmo camas improvisadas, além de excesso de mato nos arredores das obras. O descaso evidente com as obras contrasta com o que o prefeito Guilherme Pasin afirmou em 2014, num de seus discursos que estas obras eram prioridade de sua administração.

Promessas não cumpridas
Em 2014, durante a inauguração da Escola Municipal Recanto Alviazul, no bairro São João, Pasin afirmou que o município tem compromisso com a educação. “Com a inauguração desta escola e de outras duas que iremos construir – uma no Loteamento Bertolini e outra no Loteamento Santa Fé, vamos atender a demanda existente por vagas na Educação Infantil. Existe uma diferença fundamental em anunciar um investimento e fazer ele se tornar realidade”, destacou.

Verbas federais
As escolas EMI no loteamento Bertolini e Santa Fé teriam um investimento total municipal de R$ 1.769.578,33 e são custeadas por meio de convênio entre a Secretaria Municipal de Educação (Smed) e o governo federal. Em 24 de setembro, a empresa Fontana & Orsolin Ltda foi a vencedora do processo licitatório. Mas os projetos foram cadastrados ainda em 2013 pela Smed junto ao Ministério da Educação (MEC), via Plano de Ações Articuladas (PAR).
Em 2014, havia sido afirmado pelo governo municipal que o prazo máximo para a conclusão dos serviços seria de 240 dias após a assinatura da ordem de serviço, sendo descontados os dias de chuva. Na reportagem da assessoria de imprensa da prefeitura na época, a secretária de Educação, afirmou que a secretaria luta “ constantemente pela ampliação no número de vagas em escolas infantis e pela qualidade dos serviços prestados na educação de crianças e adolescentes do município. A Educação infantil é uma base para crescimento destas crianças, em seu desenvolvimento cognitivo, social, afetivo e motor”, observou.

“ Temos consciência”
Pasin, por sua vez, ressaltou que as duas escolas aproximariam a administração municipal da meta de zerar a fila de espera por vagas na educação infantil. “Temos consciência da importância disso para que os pais possam continuar trabalhando e trazendo renda para a família, mesmo quando os filhos são pequenos”, destacou.
A escola municipal infantil do Loteamento Bertolini, localizada no Loteamentos Bertolini está sendo erguida na Rua José Possamai, nº 653, e o projeto de edificação é de 708,25 metros quadrados. O espaço inclui cinco salas de aula, playground, solário, cozinha, refeitório, lactário, sala de higienização, lavanderia, sanitários, área coberta, depósito, sala de atendimento (enfermaria), salas administrativas.
A escola municipal infantil do Loteamento Santa Fé, localizada na Rua Romualdo Basso, nº 135, no bairro São Roque, terá 708,25 metros quadrados de área construída. O espaço contempla cinco salas de aula, playground, solário, cozinha, refeitório, lactário, sala de higienização, lavanderia, sanitários, área coberta, depósito, sala de atendimento (enfermaria), salas administrativas.
Em outubro deste ano, mesmo as obras estando abandonadas, os vereadores aprovaram a aquisição de colchonetes para creches do município. Enquanto o PLO nº 208/2017 dizia respeito à liberação de R$ 4 mil para a Escola Municipal de Educação Infantil (EMI) Bertolini, o PLO nº 209/2017 referia-se à liberação de R$ 4 mil para a EMI Santa Fé.

SMED se cala
Procurada pela reportagem da Gazeta, por três vezes, através da assessoria de comunicação, a Secretária Municipal de Educação não se pronunciou sobre o número de crianças atendidas pela rede municipal, apesar de cada escola ter colocado a lista dos “ aprovados” em quadro mural.