Google atinge ‘supremacia quântica’, que promete revolucionar a computação

2015-04-10_190211

Máquina levou apenas 200 segundos para processar código que demoraria 10 mil anos em computador clássico

O Google entrou para a história das ciências da computação nesta quarta-feira (23), ao anunciar que seu computador quânticou ultrapassou a performance dos supercomputadores “clássicos”. O feito, publicado hoje em um artigo na revista científica Nature, confere à empresa de tecnologia a chamada “supremacia quântica”. Pela primeira vez, um computador quântico superou um clássico.
A declaração foi feita um mês após a NASA, parceira do Google, compartilhar uma versão do artigo em seu site. Mas a agência espacial norte-amerciana havia se precipitado, e o estudo foi rapidamente tirado do ar. Nenhuma das instituições se pronunciou sobre o assunto, que virou notícia no mundo todo.
Agora você deve estar se perguntando: “afinal, por que isso é tão importante?” Para entender essa questão, é essencial compreender qual a diferença entre um computador clássico e um quântico.

Entre bits e qubits
Em um computador como o que você tem em casa, as informações são processadas por bits, representados por 1 ou 0. Para processar um código (e mostrar tudo o que vemos na tela), a máquina analisa diversos conjuntos de bits.
Já em computadores quânticos, as informações são processadas por qubits, que podem ser encontrados como 1, 0 ou 1 e 0 ao mesmo tempo, a chamada superposição. Outro fenômeno particular das partículas quânticas utilizadas nesses computadores é o emaranhamento. Ele ocorre quando duas partículas que estão distantes uma da outra são “conectadas” e conseguem se comportar da mesma forma. Isso permite às máquinas ler códigos e transmitir informações de forma muito mais rápida.
Graças a todos esses fatores, os computadores quânticos têm o potencial de revolucionar a tecnologia. Tendo em vista a complexidade da física quântica e os mistérios envolvendo a área, esse sonho parecia muito distante — até agora.

Proeza do Google
O computador quântico do Google, batizado Sycamore, conseguiu descrever os prováveis resultados de um código criado por um gerador de números aleatórios em apenas 200 segundos (3 minutos e 20 segundos) – o que levaria 10 mil anos em um computador comum. A proeza não tem aplicação prática, mas é grandiosa porque nenhuma máquina quântica havia superado uma clássica até então.
Isso porque as partículas quânticas são muito instáveis. Diversos fatores podem interferir na atividade delas, como a temperatura do ambiente ou mesmo a presença de outras partículas. O que o Google conseguiu fazer foi tornar o sistema quântico o mais estável possível, por meio de um design que evita a interação entre qubits vizinhos, diminuindo essa instabilidade.
O Sycamore tem um circuito de 54 qubits, mas apenas 53 foram utilizados porque um estava quebrado. O algaritmo foi processado pelas partículas, que geraram um total de 2^53 combinações possíveis. O Sycamore foi capaz de calcular, em tempo recorde, a probabilidade de se ter determinada combinação.
Segundo Christopher Monroe, físico da Universidade de Maryland (EUA), a máquina do Google está fazendo algo que os cientistas fazem todos os dias: usar um experimento para encontrar a resposta para um problema quântico que é impossível de ser calculado por um computador comum. A diferença é que o computador do Google pode ser programado para analisar diversos algoritmos diferentes.
Os resultados foram verificados, é claro, mas isso foi outro desafio. Para isso, a equipe comparou os resultados com os de simulações de versões menores e mais simples do código, feitas por computadores clássicos. A partir desses exemplos, a equipe do Google estimou que a simulação do algoritmo completo levaria 10 mil anos em uma máquina clássica — mesmo que ela tivesse 1 milhão de unidades de processamento, o que é equivalente a cerca de 100 mil computadores como o que você tem em casa.

Amigos e rivais
Nem todo mundo concorda que o feito do Google tenha sido tão marcante assim. A IBM, outra empresa famosa por desenvolver tecnologia na área quântica, afirmou em um estudo publicado na última segunda-feira (21) que o problema proposto pelo Google não demoraria 10 mil anos para ser resolvido em uma máquina comum, mas apenas dois dias e meio se uma técnica diferente fosse utilizada.
O artigo da IBM ainda não foi revisado, mas, se estiver certo, coloca em xeque a proeza do Google. Isso porque o conceito de “supremacia quântica”, originalmente concebido pelo professor John Preskill, da Caltech, diz que um sistema quântico não deve apenas superar um clássico, mas também resolver um problema que este outro jamais poderia.
“Então, o que essa máquina pode fazer por você?”
A resposta é: por enquanto, nada. Christopher Monroe teme que, com o noticiamento do feito, as pessoas acreditem que isso revolucionará a tecnologia da noite para o dia: “A história que se ouve nas ruas é ‘eles finalmente venceram um computador comum: então, aqui vamos nós, em dois anos e teremos um em nossa casa’”, brincou o especialista, em declaração à Nature.
De acordo com ele, os impactos são muito mais indiretos — mas nem por isso menos importantes. Monroe espera que a consquista atraia jovens pesquisadores para ajudar a desenvolver ainda mais a área da computação quântica.
Outro passo importante, segundo Scott Aaronson, da Universidade do Texas (EUA), é que o feito abre caminho para que os computadores quânticos corrijam, de forma autônoma, erros em seus sitemas – algo que hoje só é possível em máquinas clássicas.
Na prática, Aaronson explicou que a computação quântica pode ser útil por possibilitar a criação de códigos capazes de provar que certos protocolos ditos aleatórios sejam, de fato, aleatórios. Com isso, seria possível garantir a segurança de modelos de criptografia e criptomoedas.
Considerando toda a complexidade do assunto, suas nem tão óbvias aplicações práticas e os questionamentos da IBM, o feito do Google é, sim, um marco histórico.