FGTS é direito do trabalhador, mas governo ‘vende’ como auxílio diz professor de economia

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Chuvas intensas e alagamentos atingem municípios do Rio Grande do Sul

Em caso de liberações emergenciais, o governo se omite de criar medidas para contornar catástrofes ou colapsos econômicos e joga para o indivíduo a obrigação por meio do FGTS

E esse dinheiro não estimula a economia, a geração de empregos nem permite que a pessoa adquira um patrimônio permanente para melhorar de vida. Ao estimular o pagamento de dívidas, apenas aumenta o enriquecimento de camadas mais ricas, ou seja, os setores que já costumam ser bastante beneficiados “, argumenta  Fabio Sobral, economista e professor da UFC (Universidade Federal do Ceará) 

 

Nas últimas semanas, o FGTS tem aparecido nas redes sociais como um dos assuntos mais comentados pelos internautas, ultrapassando 7.500 publicações só no Twitter. Parte disso deve-se à nova rodada do Saque Extraordinário, iniciada nesta quarta-feira (1), e à liberação dos valores, por parte do governo federal, para trabalhadores afetados pelas chuvas. As discussões, no entanto, levantam uma importante questão: a possibilidade de sacar as quantias em situações emergenciais e de crise é um direito do trabalhador ou um auxílio do governo? 

 Fabio Sobral, economista e professor da UFC (Universidade Federal do Ceará)  esclareceu alguns pontos importantes

 

O FGTS foi criado em 1966 como uma rede de proteção financeira dos trabalhadores. Mas quais são seus principais objetivos?

FS: Há dois objetivos básicos. O primeiro é o que chamamos de mecanismo estabilizador da economia. Quando você perde o emprego e saca o FGTS, você consegue manter as contas em dia, até conseguir um novo trabalho. Isso estabiliza a economia, porque não há queda brusca no consumo da família afetada pelo desemprego. O segundo objetivo é formar uma espécie de fundo de financiamento da construção civil, para que o trabalhador adquira a moradia própria. Essa política é determinada a estimular a economia para manter o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, você estimula certos setores essenciais, como o civil, e consequentemente vários outros, como maquinário, tijolos, elétrico…

A liberação do FGTS acontecia, principalmente, em caso de demissão sem justa causa, aposentadoria, compra de imóvel e morte. Os saques em situações de crise econômica ou catástrofe podem ser considerados como um auxílio do governo?

FS: Não é um auxílio porque auxílios não são retirados da sua conta. O FGTS é uma conta da pessoa. [No caso das chuvas em Pernambuco], o auxílio seria promover novas moradias, recuperação das casas afetadas… Tem que vir de uma fonte de financiamento externa. O FGTS é para ser usado para crescimento pessoal e em situação de desemprego; em situação de catástrofe, o governo deveria promover auxílios com verbas emergenciais. A pessoa já está em uma situação grave, [ao usar o fundo] ela perde a possibilidade de ter uma situação mais estável no futuro.

As liberações do FGTS, como o Saque Extraordinário, podem ser consideradas um indicativo de que o país enfrenta uma crise econômica?

FS: Sim, mostra que está em situação de crise porque o endividamento das famílias é muito alto. Você acaba transferindo [o FGTS] que era para sua melhoria de moradia para emergências. Há, inclusive, uma proposta de destruição do FGTS, que quer diminuir a cobrança de 8% para 2%. Ao diminuir a arrecadação, o fundo acaba reduzido, e ao mesmo tempo permitir esses saques deixa as pessoas descobertas.

O porquê de o FGTS não poder ser retirado a qualquer momento pelo trabalhador, já que esse dinheiro é dele. O que explica a imposição das regras de saque?

FS: As regras se enquadram no objetivo de promover o fortalecimento do PIB por meio de certos setores, para que o setor imobiliário e de construção civil sejam beneficiados pela aquisição de moradias. Se você pudesse sacar a qualquer momento, o FGTS perderia a função de financiamento de setores estruturais da economia. Acabaria financiando emergências.

De forma resumida, em quais pontos é preciso ficar de olho com relação às liberações do FGTS?

FS: O ponto central é: qual será o destino deste dinheiro? Ele promove redistribuição de renda, melhoria de vida ou promove o empobrecimento de certas camadas? Em caso de liberações emergenciais, o governo se omite de criar medidas para contornar catástrofes ou colapsos econômicos e joga para o indivíduo a obrigação por meio do FGTS. E esse dinheiro não estimula a economia, a geração de empregos nem permite que a pessoa adquira um patrimônio permanente para melhorar de vida. Ao estimular o pagamento de dívidas, apenas aumenta o enriquecimento de camadas mais ricas, ou seja, os setores que já costumam ser bastante beneficiados.

Como funciona o FGTS?

Criado em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é formado por contas vinculadas que constituem uma poupança compulsória para cada trabalhador com carteira assinada.

Até o dia 7 de cada mês, empregadores depositam um valor equivalente a 8% do salário de seus empregados numa conta em nome deles, mas que não é descontado do trabalhador. O percentual é aplicado sobre salários, abonos, adicionais, gorjetas, aviso prévio, comissões e 13º salário.

Para os contratos de trabalho de aprendizagem, o percentual é reduzido para 2%. No caso de trabalhador doméstico, o recolhimento é correspondente a 11,2%, sendo 8% a título de depósito mensal e 3,2% a título de antecipação do recolhimento rescisório.