Ex-procuradora afirma que é ilegal a decisão de limitar atuação de vereadores

2015-04-10_190211
Argumento citado é a necessidade de agilizar os trâmites no Legislativo

Parlamentares não foram consultados e souberam da medida através da publicação da ordem de Serviço no Diário Oficial. Em entrevista exclusiva, a ex-procuradora do município e advogada especializada em Direito Público, Simone Dias Jannke  classifica a medida como inconstitucional, e considera a ação um “ ímpeto de megalomania”

Na última quinta-feira, dia 6, a população de Bento Gonçalves foi surpreendida pela notícia que envolve uma decisão da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores: a partir da data em questão, cada vereador poderá apresentar apenas um requerimento, um pedido de informações e um pedido de providências em cada sessão ordinária do Legislativo. Vale destacar que os parlamentares não foram consultados e não houve votação. Os vereadores reclamam que souberam da medida através da publicação da Ordem de Serviço no Diário Oficial.
O presidente da Câmara, vereador Moisés Scussel Neto (PSDB) defende que a medida “não está restringindo, apenas organizando as ações para os parlamentares”. Segundo ele, muitos vereadores usavam do requerimento, que tem destinação interna, para fazer pedidos de troca de iluminação, tapagem de buracos e patrolamento de ruas. Ele acredita que este tipo de solicitação deveria ser feita por meio de indicação, que tem destinação mais rápida ao Executivo Municipal e exemplifica a questão. “Um requerimento demora até 15 dias para chegar à prefeitura, enquanto que, por meio da indicação, no outro dia o Executivo já é notificado”, destaca.
Outro argumento citado por Scussel é a necessidade de agilizar os trâmites no Legislativo. O presidente da Câmara afirma que não havia um regramento sobre este tema no Regimento Interno, o que levou a Mesa Diretora a tomar esta atitude. “Na última sessão tivemos mais de 70 requerimentos, sendo que a maioria deles era para troca de lâmpadas e arrumar buracos nas ruas e o requerimento não é para isso”, explica o presidente da Câmara. Mas as argumentações parecem não convencer nem os parlamentares que fazem oposição ao prefeito Guilherme Pasin e nem boa parte da população que ainda tenta entender o fato, considerado por muitos como arbitrariedade.
Os vereadores em questão defendem que a ação, na verdade, visa proteger o chefe do Executivo Municipal em relação à falta de atendimento de questões básicas à comunidade. Para Moacir Camerini (PDT) a medida é uma retaliação ao trabalho que os parlamentares realizam junto à população. Ele destaca que este é o segundo atentado contra a oposição em menos de duas semanas, onde tiraram a segunda sessão ordinária e agora reduziram o número de ações durante a única sessão da semana.
A oposição vê essa ação da atual Mesa Diretora como mais uma que objetiva de conter o ímpeto de parlamentares que são oposição ao governo de Guilherme Pasin. E ressalta que até 2015, o prefeito tinha 15 dias para responder a requerimentos e a pedidos de providências enviados pelos parlamentares. Mas com a aprovação da mudança no Regimento Interno por parte da base governista no Legislativo, o chefe do Executivo Municipal teria o mesmo prazo para responder apenas aos requerimentos.
Com isso, os vereadores – principalmente opositores do atual prefeito – começaram a fazer uso dos requerimentos para exigir respostas do Executivo sobre as demandas da população. Mas com a publicação da Ordem de Serviço no Diário Oficial do Município, na última, semana, a prefeitura fica desobrigada a responder aos questionamentos feitos pelos parlamentares, que só poderão fazê-lo através de pedidos de informações, indicações e pedido de providências, mas não por requerimento.

Ex-procuradora aponta a inconstitucionalidade da medida
Procurada pela Gazeta a ex-procuradora do município e advogada especializada em Direito Público, Simone Dias Jannke questiona a decisão e chama a atenção para a inconstitucionalidade da medida. “Os vereadores que compõem a Mesa Diretora e o Presidente da Câmara, Moisés Scussel, esqueceram que são vereadores municipais, e num ímpeto de megalomania, pretendem fazer as vezes de Constituinte Federal ao decidirem que, cada vereador poderá apresentar apenas um requerimento, um pedido de informações e um pedido de providências em cada sessão ordinária do Legislativo”, comenta estarrecida.
A advogada frisa que – ainda que os vereadores possam regrar seu Regimento Interno – não podem cercear os instrumentos legislativos existentes (requerimentos, notificações, etc) que possuem uma simetria direta com o exercício da Democracia para que os representantes do povo municipal (eles, os vereadores), não exerçam plenamente o mandato que nós eleitores outorgarmos a eles, por meio do voto.
Simone questiona a justificativa que o Presidente da Câmara, Moisés Scussel, apresentou. “Não se mostra como a mais inteligente, uma vez que, na visão dele e da Mesa Diretora, pelo fato de os demais vereadores não saberem que existem caminhos mais céleres que os requerimentos, é melhor limitá-los”, indigna-se. E completa. “Essa (i)lógica faz lembrar da anedota em que o marido chega em casa e flagra esposa e o amante no sofá, e pra resolver o problema da infidelidade, o marido retira o sofá da sala”.
A ex-procuradora destaca que parece mais sensato – dentro da lógica legal – que ao invés de limitar o exercício do mandato, (até porque este já sofreu um golpe vigoroso quando da decisão de redução de duas, para uma sessão ordinária por semana), bastava fazer uma maior orientação para os vereadores dos eventuais (e desconhecidos) inconvenientes da utilização desses requerimentos.
E ressalta. “Fica evidente que a intenção do Presidente e da Mesa Diretora é blindar o Prefeito Pasin, pois diante da sucateamento dos serviços básicos do Município e a necessidade de acomodar cargos de confiança para nove partidos coligados, a única voz da população realmente necessitada, será por meio de seu vereador”, afirma. E exemplifica. “Foi exatamente isso que o Presidente e a Mesa Diretora vislumbraram, e assim, tiveram a maquiavélica ideia de matar dois coelhos com uma só cajadada”.
A advogada especializada em Direito Público vai mais além. “Na sugestão do Sr. Moisés Scussel, de que se fazer a indicação, a qual, segundo ele, ‘no outro dia o Executivo já é notificado’ – enseja duas consequências: enfraquece o papel do vereador e fortalece o famigerado fisiologismo político, afastando o legítimo poder de representação política legislativa e centralizando o poder no prefeito e seu grupo político. E acrescenta. “Espera-se que tal tentativa de opressão à Democracia Municipal seja impedida, pois fundamentos jurídicos não faltam”.
Para a advogada, decisões dessa natureza não podem ferir a Constituição Federal
Dentre esses fundamentos, Simone cita a Constituição Federal – lei máxima da nação. “Ela nos proporciona o conhecimento de como a Política, a Justiça e a Economia deve se pautar dentro da Democracia estabelecida”. E cita o parágrafo único do artigo 1º. “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Ela destaca que essa afirmação deixa claro que todo político eleito representa seu eleitor, seu povo, e todos os mandatos eletivos têm o mesmo peso, as mesmas responsabilidades legais, seja o, no caso, vereador, Presidente da Câmara ou componente da Mesa Diretora.
A ex-procuradora explica que estas incumbências previstas em Regimento Interno de Presidente da Câmara e Mesa Diretora, visam a uma organização interna, mas jamais darão prerrogativas que extrapolem as responsabilidades legais do mandato. “Isso significa dizer que qualquer vereador, estando ou não na incumbência da Presidência ou compondo a Mesa Diretora da Câmara de Vereadores, não pode impor qualquer decisão que fira o parágrafo único do art.1º da Constituição Federal”, avalia.
Para a advogada, o Presidente e os componentes da Mesa Diretora não têm poderes extras de mandato, além de que estas atribuições dizem respeito apenas à organização da Casa a qual não pode ensejar supressão dos instrumentos do exercício de vereança. E cita o artigo 10 da Lei Orgânica de Bento Gonçalves, que dispõe: “O Poder Legislativo do Município é exercido pela Câmara Municipal, composta de Vereadores, segundo o disposto nas legislações federal e estadual a respeito e funciona de acordo com o seu Regimento Interno.”
Simone ressalta que este artigo é claro no sentido de que o regimento interno apenas organiza os procedimentos administrativos da Casa. “Agora, quem rege e limita os atos dos legisladores e seus mandatos são as Constituições Federal e Estadual em total consonância com a cláusula pétrea de que o município é ente político indissociável da Federação do Brasil”, explica. E completa. “O art. 29, caput, da Constituição Federal dispõe que o Município será regido por lei orgânica, porém, a mesma não pode extrapolar os princípios e dispositivos legais da Constituição Federal”.
Por fim, a advogada é enfática em seu parecer. “A decisão da Mesa Diretora e do Presidente da Câmara de limitar número de requerimentos por sessão legislativa sob a alegação de não ser o mais adequado – redundando na blindagem do prefeito aos anseios da comunidade e consequente enfraquecimento do exercício do mandato dos demais vereadores – é inconstitucional por extrapolar as atribuições de organização e mandato eletivo chocando-se diretamente contra o ‘Poder que emana do povo’”.
Resta esperar que o poder público repense, com real seriedade, essa série de ações. Nesse momento, a impressão que temos é que o atual governo e sua base aliada parecem esquecer do verdadeiro compromisso assumido com a população na últimas eleições. Esperemos que esse “ímpeto de megalomania” – como classificou tão bem a ex-procuradora – seja apenas passageiro.