Estudos comprovam que forma com que os adultos falam com as crianças pode afetá-las quando crescem

2015-04-10_190211

A comunicação com os bebês pode ser algo bem difícil principalmente nos primeiros meses, já que eles não reagem muito ao que lhes é dito. Neste sentido, a agência de notícias BBC, divulgou um apanhado de pesquisas que comprovam a influência das conversas da infância na vida adulta.

No início dos anos 90, os pesquisadores Betty Hart e Todd Risley passaram cerca de dois anos gravando uma hora por mês, da vivência de famílias de diversos grupos socioeconômicos, em suas residências.

Em análise aos dados coletados na pesquisa, os cientistas descobriram que as crianças das famílias com o poder aquisitivo mais baixo, ouviam, por hora, um terço da quantidade de palavras em comparação às crianças das classes mais altas.
De acordo com a projeção deles, aos 4 anos de idade haveria uma diferença de 30 milhões de palavras entre o que as crianças de origem pobre e as de origem rica aprenderam.
Entretanto o estudo estava longe de ser ideal, já que a amostra pesquisada era pequena, não ficando claro se a diferença de palavras é tão grande quanto os pesquisadores sugeriram pela primeira vez.
Desde este primeiro estudo, foram feitos outros, que mostraram, que crianças de baixa renda ouvem muito mais palavras do que Hart e Risley relataram inicialmente. Em resposta a esses críticos, outro grupo destacou que “as crianças pequenas não ganham muito com o que escutam sobre tópicos de interesse para adultos”.
Estudiosos afirmam que caso esse “déficit de palavras” realmente existe, isso é problemático porque a linguagem é conhecida por ser um dos indicadores mais importantes de como será sua vida, desde seus primeiros anos de escola até a universidade e a carreira. Para ler, aprender números e até articular suas memórias, você precisa da linguagem.
De acordo com a diretora do Laboratório de Linguagem Infantil da Temple University, na Filadélfia, Kathy Hirsh-Pasek,  “Na corrida, você já começa ficando para trás”. Essa defasagem também afeta o cérebro.
Agora, os neurocientistas são capazes de mostrar como o cérebro responde à exposição precoce à linguagem. Um grupo liderado por Rachel Romeo, neurocientista e especialista em patologia da fala e linguagem do Hospital Infantil de Boston, mostrou que as interações conversacionais podem ter um benefício perceptível no desenvolvimento do cérebro.
O estudo foi feito a partir da gravação de conversas em casas de famílias, onde foi monitorada a quantidade de idiomas a que foram expostas as crianças e o número de turnos de conversa, ficando evidente no resultado, que as crianças que tiveram mais conversas demonstraram melhor desempenho nas tarefas de compreensão da linguagem.
De acordo com os pesquisadores, essas crianças também apresentaram conexões mais fortes na substância branca no cérebro, em duas áreas importantes para a linguagem — um aumento que pode acelerar o processamento nessas áreas. A chamada substância branca é responsável pela transmissão de informações no sistema nervoso.
O que de acordo com Romeo, mostra como as conversas contribuem para o desenvolvimento do cérebro. “Descobrimos que mais conversas se correlacionavam com conexões mais fortes nesse caminho, que por sua vez estavam relacionadas às habilidades de linguagem das crianças”, afirma o neurocientista.
Sendo assim, o grande conjunto de evidências mostra que não é a audição passiva, ou mesmo a quantidade de palavras a que uma criança é exposta que mais importa, é a qualidade da conversa que é determinante.
Ou seja, a natureza de troca, que requer ouvir e responder. É o que Hirsh-Pasek e Roberta Golinkoff chamam de “dueto de conversação”, porque “você não pode cantar sozinho”.
Outro estudo aponta, que se uma conversa é interrompida por uma ligação de telefone, por exemplo, a criança não aprende uma palavra recém-apresentada a ela, mas aprenderá se a conversa não for interrompida.
Os pesquisadores da equipe de Romeo deram um passo além em um estudo de acompanhamento que ajudou os pais a entenderem a importância de conversas com “turnos”. Nesse grupo, eles descobriram aumentos na substância cinzenta nas regiões social e de linguagem do cérebro das crianças.
“Isso não é coincidência”, diz ela. Faz sentido que as áreas sociais e de linguagem do cérebro estejam “andando juntas” nessas relações pais e filhos, pois a linguagem está na base de nossas relações sociais e ambas são fundamentais para a maneira como aprendemos.
“Temos esse desejo humano de nos comunicarmos”, diz ela. “Além disso, desenvolvemos nossas habilidades de linguagem e essas habilidades de linguagem constroem uma base para um nível superior de cognição.”
Enquanto isso, outro grupo, este no Laboratório de Bebês de Princeton, monitorava os cérebros de bebês para descobrir que, quando eles se envolviam em brincadeiras interativas, como cantar ou ler, seus padrões de ativação cerebral começavam a convergir. Em outras palavras, seus cérebros “se unem”, explica Elise Piazza, do Instituto de Neurociências da Universidade de Princeton, a principal autora do trabalho. Outras vezes, quando participam de atividades separadas, a “sincronia neural” entre seus cérebros desaparece, diz ela.
“É como se você estivesse tão sintonizado que não está operando como duas pessoas, mas como uma. É aí que acreditamos que o aprendizado se intensifica e ocorre, e é isso que a conversa traz”, diz Hirsh-Pasek.

Status socioeconômico
Ficando evidente a importância das conversas desde a infância, quão preocupados deveríamos estar com o “déficit de palavras” — e de onde ele vem?
Mesmo que o estudo de Hart e Risley não tenha sido perfeito, a ideia de que existe uma lacuna socioeconômica significativa foi replicada por dezenas de estudos.
Meredith Rowe, da Universidade de Harvard, descobriu em 2008, que os tipos de conversas diferem significativamente entre famílias de baixa e alta renda, em parte, devido aos diferentes níveis de educação alcançados pelos pais nesses grupos.
Isso significa dizer que, o “conhecimento dos pais” contribui positivamente para o desenvolvimento do vocabulário, diz Rowe. Neste estudo, os pais de maior renda usaram frases mais longas e mais vocabulário do que os pais de menor renda. “A principal descoberta aqui foi que a influência da pobreza na maneira como os pais se comunicavam com os filhos era explicada pelo quanto os pais sabiam sobre desenvolvimento infantil”, diz ela.
Se existe alguma associação entre status socioeconômico e habilidades verbais, pode ser porque a pobreza esteja ligada tanto aos níveis mais baixos de educação quanto a um maior estresse. Ambos os fatores significam que a qualidade das conversas pode ser afetada. Mas o status socioeconômico não é o determinante. Em um estudo de 2015, Hirsh-Pasek e outros analisaram o discurso de 60 crianças, todas de famílias de baixa renda, aos dois anos de idade. Eles voltaram um ano depois para ver como essas crianças haviam se desenvolvido.
Como previsto, as crianças que estavam participando de mais conversas aos dois anos demonstraram um domínio do idioma mais avançado um ano depois. Aqueles que tiveram menos conversas tiveram pior desempenho na linguagem.
Como essas crianças eram todas de famílias de baixa renda, os resultados mostram que a pobreza por si só não é o que predispõe uma criança a uma pior habilidade de linguagem.”Não é apenas se você nasceu em um ambiente com poucos recursos, mas é como você interage com seu filho nesse ambiente que parece fazer a diferença”, diz Hirsh-Pasek.
Mesmo que um déficit de palavras possa ter consequências duradouras, a boa notícia é que todos os pais conversam com os filhos pelo menos uma parte do tempo. Se os pais entenderem que as interações de qualidade são mais importantes que a quantidade, todas as crianças podem se beneficiar. Quanto mais experiências sociais eles tiverem, seja com os pais ou com outros cuidadores ao seu redor, mais eles aprenderão, diz ela.
Existem outras maneiras de ajudar a acelerar esse processo também. O treinamento dos pais é eficaz, mas é demorado e caro. Felizmente, existem outros modos simples e testados, que ajudam a incentivar mais conversas de qualidade.
Hirsh-Pasek e colegas mostraram que, em comunidades com poucos recursos em alguns dos bairros mais pobres da Filadélfia, colocar avisos nos supermercados aumentou as conversas significativas em até 33%. Podem ser tão simples quanto pôsteres coloridos, com perguntas como “De onde vem o leite?” e “Qual é o seu vegetal favorito?”.
Visitei vários locais na Filadélfia — inclusive um ponto de ônibus, um playground em uma biblioteca e jogos de tabuleiro em tamanho humano no museu infantil Please Touch da Filadélfia, onde Hirsh-Pasek e sua equipe estão tentando outra abordagem. Aqui eles usam jogos para incentivar vários aspectos importantes da aprendizagem, do social ao cognitivo, do controle de impulsos à função executiva (jogos de solução de problemas). Eles foram cuidadosamente colocados em áreas onde as pessoas já se reúnem em grupos. E, embora os jogos sejam voltados para crianças, eles também foram extremamente divertidos para nós, adultos.
O projeto, chamado “Playful Learning Landscapes” (Paisagens de Aprendizagem Lúdica, em tradução livre), envolveu a colaboração com prefeituras e arquitetos para “transformar locais do cotidiano em oportunidades de aprendizagem”. Além disso, o monitoramento cuidadoso de pesquisadores mostrou que alguns desses projetos ajudaram a aumentar as conversas em 30% a 55%.
“Quando você torna esses ambientes interessantes, é mais provável que os pais larguem os celulares, olhem nos olhos dos filhos e tenham uma conversa significativa”, diz Hirsh-Pasek. “Imagine o que poderíamos fazer se tornássemos o mundo um pouco mais divertido”. Com vontade suficiente, os pesquisadores dizem que seria fácil recriar espaços semelhantes em muitas outras cidades.
No Reino Unido, o governo lançou um projeto online, em que simples alertas incentivam os pais a conversar mais com seus filhos. “Hungry Little Minds” é uma campanha de três anos com o objetivo de “incentivar os pais a se envolverem em atividades que apoiam a aprendizagem precoce de seus filhos e ajudam a prepará-los para a escola e além”.
Para muitos pais, o estresse do dia a dia pode deixar menos tempo para conversar e brincar com as crianças. Mas agora está claro que ajustes sutis na maneira como falamos com crianças — e como ouvimos — podem estimular o cérebro delas.

Fases do desenvolvimento da linguagem em crianças de 0 a 6 anos

0 a 12 meses
Esta é fase é conhecida por “pré-linguística”, a criança ainda não usa palavras, ainda está em uma etapa de preparação para a linguagem da forma que conhecemos.
Mesmo não havendo palavras, a criança se comunica através de choros quando algo está a incomodando, de gritos para chamar atenção e de sorrisos.
É um período de choros e gritos, e a mãe é capaz de entender cada uma das mensagens passadas pelas diferentes nuances de choro do bebê.
Ao final dessa fase, a criança  passa a testar o seu aparelho vocal. Ela balbucia, aprende a pronunciar vogais e algumas consoantes. Começam a aparecer sons como “ma” e “pa” que não estão relacionados com as palavras “mamãe” e “papai”. São os testes de sons diferentes.
Aos poucos os processos continuam, e terminando esse período, a criança compreende que existe uma relação entre seu nome e ela mesma, ela passa a empregar palavras simples e começa a entender alguns vocábulos que designam ações importantes para ela.  “Dá” e “pega” são, geralmente, as primeiras palavras que a criança entende.

12 a 24 meses
Nesse período, a criança compreende ordens e as obedece. Ela é capaz de usar palavras simples. Geralmente substantivos que se referem a objetos conhecidos.
Ela comunica o que deseja com palavras: “upa”, “no”, “esse” ou “mais” são alguns exemplos. Nesta fase ela já consegue combinar duas palavras, um substantivo e um verbo, por exemplo: “mamãe leite”. Acompanha a linguagem com gestos, especialmente para mostrar o que quer.
À medida que progride, consegue repetir algumas músicas simples.
Existem crianças que chegam ao final desse período com um bom domínio de vocabulário e de estruturas linguísticas. Essa evolução depende, em grande medida, da estimulação que ela recebe por parte das pessoas com quem convive.

2 a 6 anos
Se o desenvolvimento da criança foi o considerado mais comum, até o momento,  ela chega aos dois anos com um desenvolvimento completo das habilidades linguísticas. Ela se expressa naturalmente, com fluidez e consegue comunicar com exatidão o que quer.
Mas ainda pode apresentar alguns problemas na pronúncia de grupos consonantais. Esses problemas provavelmente vão desaparecer com a prática. Caso persistirem, é aconselhável consultar um especialista. Ele poderá sugerir estratégias para ajudar a criança a se corrigir desde cedo.
Aos quatro anos de idade, o repertório linguístico básico está completo.  A criança combina as palavras em frases simples. Os enunciados se tornam cada vez mais complexos e estruturados.
O nível de compreensão também foi desenvolvido.
Se, durante essa evolução, o contato com os livros for estimulado, a criança já vai começar a se interessar pela linguagem escrita. Ela reconhece que as letras compõem mensagens. É o momento para ensinar com qual letra o nome da criança começa e palavras significativas para ela, como “mamãe” e “papai”. Essa tarefa pode ser tratada como uma brincadeira e vai ser uma boa iniciação para o caminho da leitura e da escrita.
É frequente que, ao ter um livro de contos nas mãos, a criança pergunte: “o que fala aqui?”. Essa pergunta indica que ela reconhece que os contos são formados por palavras.