Decisão do STF pode deixar 90% dos viticultores irregulares

Vale dos Vinhedos 2015-04-10_190211
Votação sobre a inconstitucionalidade do artigo 67, que trata da reserva ambiental, pode afetar mais de 4 milhões de agricultores no Brasil

Caso artigo 67 do Novo Código Florestal, que será votado amanhã, seja considerado inconstitucional, pequenos agricultores poderão perder área de terra, além de serem autuados e multados. Página 04 e 05

Em artigo publicado na segunda-feira (26), no jornal O Estado de São Paulo, o agrônomo, doutor em ecologia, e pesquisador da Embrapa, Evaristo de Miranda, afirma que os pequenos agricultores brasileiros estão ameaçados de extinção. Segundo ele, “uma espada paira sobre a cabeça de mais de 4,5 milhões de produtores familiares: a possível declaração de inconstitucionalidade dos artigos 59 e 67 do Código Florestal pelo STF”.
O pesquisador se refere às ações que tramitam para votação do Supremo Tribunal Federal (STF), as quais tratam do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Elas pedem a inconstitucionalidade da Lei 12.651/2012 por variadas alegações, especialmente quanto à redução da reserva legal. Os pequenos proprietários no Brasil (que possuem propriedades de até quadro módulos fiscais- em Bento Gonçalves, 12 hectares cada), são mais de 4,5 milhões, de acordo com Miranda. Esse número corresponde a 89% dos estabelecimentos proprietários do país e, apesar da alta porcentagem, se concentram em apenas 11% do território nacional.
O agrônomo afirma que caso os artigos em votação sejam considerados inconstitucionais os pequenos agricultores que “exploram a quase totalidade de suas terras para poderem manter suas famílias (…) abandonarão a atividade produtiva e venderão seus imóveis para grandes produtores. Ou para cidadãos urbanos, que os transformarão em sítios de lazer, reflorestados. Esses compradores, sim, poderão arcar com essas despesas e exigências legais”, pontua.

Artigo 67
Miranda faz uma análise do que a possível declaração da inconstitucionalidade dos artigos 67 e 59 representa no cenário rural brasileiro. O art. 67 limita o tamanho da reserva legal à área existente com vegetação nativa nos imóveis em 22 de julho de 2008. Ele dá o exemplo de que, representasse somente 10% da superfície, seria mantido, no caso de 5%, também, “idem se fosse apenas uma árvore”.
As áreas de preservação permanente são denominadas APPs, que abrangem a Serra da Mantiqueira, Região Serrana do país (inclusive Bento e região), Pantanal, Ilha do Marajó, Bacia Amazônica, faixa ao longo do Rio São Francisco, entre outras.
Conforme o artigo, os proprietários de terras nestes locais “estavam isentos de recompor a reserva legal em 20% ou até 80% da área de seus imóveis, conforme o bioma”. Mas, caso seja declarado inconstitucional, a área explorada dos imóveis será reduzida, portanto os pequenos agricultores se tornarão “microprodutores, categoria que só é viável na semântica”, explica Miranda.
Miranda acrescenta que “além da perda de área para vegetação nativa, eles (pequenos produtores) ainda teriam de arcar com os custos da recomposição. E pagar multas. Antes do código, medidas provisórias, que viraram lei sem nunca terem sido votadas, obrigavam os produtores a recompor a reserva legal. Mesmo se a área tivesse sido desmatada nos séculos passados. Os pequenos, vítimas desse anacronismo legislativo, foram notificados de múltiplas infrações ambientais que eram simplesmente o resultado de um processo histórico e o retrato de sua situação social”, acrescenta o pesquisador da Embrapa.
Miranda aponta que o Cadastro Ambiental Rural (CAR), fruto do Código Florestal, atesta que 91% dos cerca de 4,5 milhões de agricultores cadastrados até janeiro têm menos de quatro módulos fiscais. “Muitos não têm sequer energia elétrica, mas cumpriram o acordado: realizaram seu cadastro digital. Apontaram em mapas e imagens de satélite sua situação real para transformar eventuais irregularidades ou sanções (anteriores a 22 de julho de 2008) em serviços ambientais, como prevê o artigo 59. Todos os milhões de cadastrados assim procederam”.
O chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, Mauro Zanus, ressalta a preocupação da entidade se o artigo for considerado inconstitucional e compactua com a opinião do agrônomo. “As propriedades não precisariam fazer esta adequação, mas se o STF decidir por derrubar o artigo 67, que protegia estes produtores, eles ficarão irregulares, passíveis de autuação, multas. Do STF, não tem mais a quem recorrer”, lamenta.

Artigo 59
A inconstitucionalidade do artigo 59, por outro lado, acaba com o Programa de Regularização Ambiental, de acordo com Miranda. “Pior ainda, o cadastro ambiental rural será usado imediatamente contra os produtores. As multas serão produzidas aos milhões, por computador, automaticamente, e notificadas por e-mail”, constata.

Bento Gonçalves
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Cedenir Postal, estima que 90% dos produtores do município e região (Monte Belo do Sul, Santa Tereza e Pinto Bandeira) sejam pequenos produtores rurais e possam ser afetados pela decisão do STF.
“Se realmente a decisão do supremo for favorável às ações que tramitam para derrubar a lei será uma catástrofe para os pequenos agricultores. Muitos estão abandonando a atividade devido às dificuldades enfrentadas e uma delas é na questão ambiental”, explica. De acordo com Postal, o grupo sente muitas dificuldades nas liberações ambientais. “Só para ter um ideia: se hoje um agricultor for acessar crédito nos bancos para reforma ou construção de um parreiral em uma área sem cobertura florestal vai precisar de ‘uma dispensa de licença ambiental’. E esta dispensa custa quase R$100,00 em duas taxas na prefeitura”, relata.
O presidente da entidade afirma que a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), juntamente com os sindicatos, estão batalhando em Brasília pra que a inconstitucionalidade não passe pelo STF. “Além do mais, praticamente todos os Cadastros Ambientais fora feitos em cima do que está na lei e se mudarem agora será um retrocesso”, conclui Postal.

Votação quarta-feira
O Plenário do STF deverá concluir, na quarta-feira (28), o julgamento conjunto das cinco ações que discutem dispositivos do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012): a Ação Declaratória Constitucionalidade (ADC) 42 e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937. Falta apenas o voto do ministro Celso de Mello.

 

Pequenos produtores

Os pequenos produtores rurais têm até 4 módulos fiscais (no mínimo 5 hectares de terra cada, dependendo do município. Em Bento Gonçalves o limite mínimo é de 12 hectares cada, ou seja, o pequeno produtor rural é considerado aquele que possui até 48 hectares na região).
Segundo o pesquisador da Embrapa, em todo o Brasil existem 4.594.785 pequenos proprietários. Esse número corresponde a 89% dos estabelecimentos agropecuários do Brasil. Eles ocupam somente 11% do território nacional e contribuem com 50% do valor da produção agropecuária.

Ações em trâmite no STF
Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42
Relator: ministro Luiz Fux
Partido Progressista x Presidente da República e Congresso Nacional
A ação foi ajuizada pelo PP, com pedido de medida cautelar, para questionar vários dispositivos do novo Código Florestal.
A parte requerente alega que as mudanças trazidas pela Lei nº 12.651/2012, principalmente pelos dispositivos questionados nas ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937, não prejudicam o meio ambiente ou violam dispositivos constitucionais, mas que consolidam a interpretação dos artigos 186 e 225 da Constituição Federal.
Em 18/04/2016 foi realizada audiência pública para a oitiva de entidades estatais envolvidas com a matéria, assim como de especialistas e representantes da sociedade civil.
Em discussão: saber se os dispositivos questionados são constitucionais.
PGR: pelo não conhecimento da ação e no mérito pela improcedência do pedido.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4901
Relator: ministro Luiz Fux
Procurador-geral da República x Presidente da República e Congresso Nacional
A ADI também questiona vários dispositivos do novo Código Florestal (Lei 12.651/12), entre eles o artigo 12 (parágrafos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º), que trata da redução da reserva legal (em virtude da existência de terras indígenas e unidades de conservação no território municipal) e da dispensa de constituição de reserva legal por empreendimentos de abastecimento público de água, tratamento de esgoto, exploração de energia elétrica e implantação ou ampliação de ferrovias e rodovias.
Em discussão: saber se os dispositivos impugnados violam os deveres de vedar qualquer utilização do espaço territorial especialmente protegido que comprometa a integridade dos atributos que justificam a sua proteção, de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, de proteger a diversidade e a integridade do patrimônio genético e o dever de proteger a fauna e a flora.
PGR: pela procedência do pedido.
*Sobre o mesmo tema serão julgadas conjuntamente as ADIs 4902, 4903 e 4937.

O Código Florestal não isentou os pequenos agricultores de manter APPs. Mas o artigo 67 limitou o tamanho da reserva legal à área existente com vegetação nativa nos imóveis em 22 de julho de 2008. Se ela representava 10% da superfície, esse número seria mantido. Se fosse 5%, também. Idem se fosse apenas uma árvore. Eles estavam isentos de recompor a reserva legal em 20% ou até 80% da área de seus imóveis, conforme o bioma.