Corpo marcado. Psicólogo explica por que as pessoas usam tatuagens

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Tatuagens revelam muito sobre a sociedade na qual elas foram feitas. No Brasil, nos Estados Unidos, e em muitos outros lugares do mundo, vive-se uma verdadeira epidemia de tatuagens. Em entrevista, o psicólogo comportamental Kirby Farrel explica por que as pessoas imprimem marcas no próprio corpo.

Os japoneses alcançam altos niveis artísticos em suas tatuagens
Por todo lado, vemos gente ostentando sobre a pele marcas clichês, citações, nomes de ex-namoradas, frases em outras línguas e até, em certos casos bizarros, horríveis tatuagens faciais.
Existem casos em que a tatuagem, executada com bom gosto e senso estético, pode até ser considerada uma forma de arte. Os japoneses e chineses, por exemplo, há séculos são exímios tatuadores, capazes de imprimir sobre a pele humana verdadeiras obras-primas do desenho e da combinação de cores. Da mesma forma, várias culturas ao redor do mundo também usam tatuagens como marca tribal distintiva, ou então como sinais de iniciações mágicas e religiosas.

Tatuagens analisadas culturalmente
Por outro lado, e sobretudo nos países ocidentais, cada vez mais pessoas se deixam tatuar sem nenhuma outra preocupação que a de marcar o próprio corpo. E os resultados muitas vezes são esteticamente desastrosos. Essa prática se alastrou de tal forma, que obrigou os estudiosos a investigaram suas causas e razões.
Por que as pessoas ainda estão tatuando arame farpado em volta dos bíceps, ratos e baratas nas costas e borboletas no cóccix? Tentando entender melhor a questão, Kirby Farrel, professor da Universidade de Massachusetts especializado em antropologia, psicologia e história relacionadas ao comportamento humano lançou o último livro, Berserk Style in American Culture, discute o vocabulário da cultura pós-trauma da sociedade norte-americana.

Coisas que você não sabia

Calcula-se que durante a execução de uma tatuagem de tamanho médio a pele seja perfurada de 50 a 3000 vezes por minuto.

As estatísticas dizem que, na Europa, 15% dos adultos e 30% dos mais jovens tem uma tatuagem. Nos Estados Unidos os percentuais sobem: 4 adultos de cada 10 possuem pelo menos uma tatuagem. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o número de mulheres tatuadas é maior que o dos homens.

Kimberly Smith em 2005 tatuou na fronte o nome de um casino para poder pagar a escola dos filhos.

Entre as leis menos respeitadas dos Estados Unidos com certeza está aquela que proibia as tatuagens na cidade de Nova York. Essa lei vigorou de 1961 a 1997.

As tatuagens dos marinheiros têm significados precisos. Quem tem um dragão, por exemplo, quer dizer que esteve na China. Se tem uma tartaruga, significa que o marinheiro já cruzou o Equador. Até Popeye, como bom marinheiro tem uma âncora tatuada no antebraço.

A pessoa mais tatuada do mundo? No Livro Guinness dos recordes aparece o australiano Lucky Diamond Rich. Ele tem o corpo está inteiramente recoberto de tinta.

 

“Uma tatuagem te diz que você é parte de uma tribo”

Kirby Farrel nos conta o resultado dos seus estudos sobre tatuagem.

Estou interessado principalmente no que você pode chamar de “a antropologia da autoestima e identidade”. Penso nas tatuagens como um método que as pessoas usam para tentar se sentir significantes no mundo.
A cultura é uma defesa contra o sentimento de opressão, futilidade e perdição. Culturas estão cheias de valores e belezas que te fazem sentir que sua vida é significativa e que tem um significado duradouro. Então, você pode dizer que tatuagens são expressões culturais de heroísmo e individualidade.
Muitas pessoas dizem que fizeram uma tatuagem como uma lembrança de alguém ou algum evento. Por exemplo, tatuar a letra de uma música ou frases. Mas elas estão te tornando um indivíduo forte, imitando todos os outros animais que também pintam a própria pele. Acho que a fantasia de ser especial, único, importante e heroico, que é do que estamos falando, é complicada quando vivemos numa cultura que celebra esses valores.
Estamos sempre bombardeando outros países para preservar nossa liberdade, o que presumivelmente significa individualidade. Mas, ao mesmo tempo, nossa cultura é conformista. Temos empresas constantemente tentando imprimir sua marca na consciência popular. Então, por exemplo, se você está tatuando algum clichê bobo de uma música pop, como “Vou te amar para sempre” ou “Não seja um imitador”, na verdade você está se marcando com entretenimento industrial.

Ser singular
Nos sentimos mais reais quando outras pessoas nos afirmam, reasseguram e reforçam nossa identidade. Nos rituais sociais pelos quais passamos, como dizer “Oi, como vai? Bem, e você?”, você não espera ouvir qualquer informação pessoal. É só uma confirmação de que vocês dois existem e reconhecem um ao outro. De certa maneira, tatuagens também funcionam assim. Elas chamam atenção para você e fazem você se sentir real, mesmo se essa atenção fizer você se sentir membro de um grande grupo. Uma tatuagem te diz que você é parte de uma tribo de colegas tatuados, uma tribo linda e significativa.
A cultura está constantemente nos tentando com fantasias de singularidade e heroísmo. Você é tentado a comprar uma nova BMW, porque isso promete te fazer sentir heroico nas ruas. Você vai se destacar na multidão. A multidão é formada de pessoas comuns, elas vão morrer um dia e serão esquecidas. Mas todo mundo está olhando para você, você está sob os holofotes, você é o herói.
Você é convidado a identificar e admirar o rico, o heroico, o prestigioso – e, se você os admira, isso se torna “minha música”, “meu cabelo” ou “meu produto”. Na verdade, você compartilha o glamour com o poder fetichista das coisas que admira.

Significados especiais
Quando você quer se tatuar com um verso da sua música favorita, você certamente está sentindo um tipo de excitação emocional e admiração por essa música. Um tipo de êxtase romântico. Você ouve as pessoas dizerem “Isso tem um significado especial para mim”. É como uma auréola emocional em torno desse objeto.
As pessoas estão com medo do futuro e se agarram a um ritual, um lema que elas acham significativo. É como um cobertor de segurança para dar sentido à sua vida, principalmente quando sua moral está sob pressão ou você está empolgado com algo bom. Mas a questão é que, em qualquer um desses eventos, parece ter um significado especial.
A tatuagem é uma coisa que existe há milhares de anos. O cadáver que foi encontrado congelado e preservado nos Alpes, que acho que tem uns 5 mil anos – ele está num museu na Itália, você pode passar para dar um oi –, a última pesquisa mostra que esse corpo tem várias tatuagens. Elas tendem a ter um desenho abstrato. A hipótese é que elas serviam para se distrair de coisas físicas desconfortáveis, como artrite. Ou elas provavelmente tinham algum tipo de significado mágico. Pensando nisso, de certa maneira, todos os nossos comportamentos tendem a ser muito mágicos. Imaginamos que há algum poder especial em nossos símbolos, em nossos lemas, em nossas marcas, que isso de alguma forma nos faz sentir mais fortes, mais capazes e melhores sobre nós mesmos.

Identificação
As tatuagens são representações físicas e artísticas de valores com que você se identifica. Vivemos nesse mundo onde existe um tipo de racismo recorrente e repentino, que vemos desde os anos 60. As condições de trabalho são extremamente punitivas, exigentes e despersonalizantes para quem está na base. Você não sente que tem direito à própria identidade. Então, as pessoas se sentem especialmente pressionadas para tentar encontrar seu próprio reforço mágico, porque há coisas em que a cultura não pode te ajudar.