Como tratar a questão do luto com crianças

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Informações precisas ajudam crianças a entender o luto

Esconder fatos e criar situações fantasiosas prejudicam o processo de aceitação e pioram o sentimento de perda. Crianças devem participar de rituais de luto, mas por vontade própria

A morte de um ente querido é uma situação que sempre abala muito familiares e amigos. Nos últimos tempos temos convivido cada vez mais com essa realidade em função da pandemia de covid-19, mas também em tragédias que ganham repercussões mundiais. Para os adultos aceitar esse sentimento de perda é uma das tarefas mais difíceis da vida, imaginem quando a notícia precisa ser recebida por uma criança.

Segundo Iolete Ribeiro da Silva, que é doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB), psicóloga e professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) nos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Educação, além de ex-conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e ex-presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes (Conanda), não existe uma fórmula pronta que se aplique a todas as crianças. Cada caso deve ser acompanhado com muita cautela e paciência.

“A primeira coisa que temos que entender é a necessidade e importância de conversar sobre esse assunto, pois muitas vezes as pessoas têm receio e acham que é melhor esconder da criança o que aconteceu e não falam diretamente. Mas as perdas, as mortes, são parte da vida, infelizmente. Compartilhar as dificuldades e sentimentos que nós, adultos, enfrentamos em relação à morte, demonstra humanidade e como lidamos com os problemas. Isso vai ajudar os pequenos a entender o que é o luto”, explicou.

Segundo a psicóloga, não existe uma idade mínima para que a criança consiga absorver e entender a notícia de que alguém morreu. Além disso, cada uma demonstra uma reação diferente da outra, o que demanda muita atenção dos pais ou responsáveis.

“A gente tem que dar a informação e esperar a reação da criança, independentemente da idade dela. Se ela fizer mais perguntas, significa que ela sente a necessidade de saber mais e está interessada em entender o tema naquele momento. Se ela não falar nada, significa que temos que esperar o tempo dela em absorver a informação. O que não é adequado é falar histórias fantasiosas, tipo que a pessoa ‘virou estrelinha’, por exemplo. Quando mais clara for a comunicação, mais explícita, será mais fácil para que a criança entenda que aquela pessoa não vai voltar mais. As fantasias ajudam mais a confundir do que levar ao processo de aceitação”, destacou.

Iolete explicou que nem sempre as crianças sofrem ou ficam com medo quando recebem a notícia de uma morte, afinal, ainda estão aprendendo sobre o que é o sentimento de perda. “Nós, adultos, que projetamos a nossa dor nos pequenos e, em vez de deixar a criança a par do que está acontecendo, tentamos blindá-las. Mas não necessariamente é ela que está em sofrimento. Então, precisamos tomar cuidado para não passar toda a carga que nós estamos enfrentando e projetar naquela criança.”

E a médica ressaltou que as perdas vão além apenas ao falecimento de alguém, mas também se aplicam a morte de um animal de estimação, a perda de contato com uma pessoa próxima, a mudança de um colega de escola, a separação dos pais. Ou seja, esse vazio deixado pela falta do outro pode afetar a criança de diferentes formas.

“O diálogo claro e franco é sempre a melhor opção. O que não podemos é estimular o sentimento de culpa na criança, fazer com que ela se sinta responsável por qualquer situação, seja ela qual for. Temos que ser compreensivos e mostrar que as perdas fazem parte da vida, mas que ela tem e sempre terá o suporte de pessoas que a amam, sejam elas avós, tios, primos, amigos. Isso vai ajudá-la a se sentir segura, já que temos que aprender desde cedo a lidar com as frustrações”, afirmou a psicóloga.

Há formas de preparar a criança para o luto?

Iolete explica que, quando um parente ou conhecido está doente, com quadro grave ou irreversível de saúde, é sim possível ir preparando a criança para a perda daquela pessoa. “Quando o ente querido está doente, em cuidados paliativos ou em situação que já se encaminha para o desfecho da morte, é possível ir preparando o terreno para essa possibilidade. A gente deve ir avisando que a pessoa pode não voltar, que ela já cumpriu o tempo de vida, mas sempre lembrando do que aquela pessoa já fez, sobre o legado que ela deixou e que isso estará registrado na nossa memória para sempre.”

Em casos de mortes repentinas, a conversa deve ser um pouco diferente. “Aí essa situação já exige uma abordagem mais clara. Temos que ouvir a criança e explicar a situação da melhor forma possível, principalmente se a perda for da mãe, pai, avó, avô, temos que passar essa sensação de amor e apoio mútuo. E deixar a criança expressar o sentimento dela. Muitas vezes elas se calam, só precisam de um abraço. Pode ser que demore a ela se expressar, então precisamos ter muita paciência para esperar a hora dela”, destacou.

Sobre a presença de crianças em velórios e enterros, a especialista disse que o que vale é o bom senso dos pais ou responsáveis. Se a família julgar que vai ser importante para o processo de aceitação, deve sim levar. Mas desde que aquele menor queira participar.

“É importante sim a presença nos rituais de despedida, mas isso se a criança quiser. Não podemos obrigá-la, pois isso seria uma violência. Caso não queira ir, não pode ter uma repressão. Mas caso queira, é sim saudável que ela vivencie a situação”, disse.

Quando buscar ajuda profissional?

Assim como para os adultos, Iolete explica que o tempo de elaboração do luto varia entre as pessoas. Assim, não há como definir quando a criança vai entender e aceitar aquela situação. É normal ter mudanças de comportamento ao longo desse processo, porém, quando isso afeta seriamente a rotina, os pais ou responsáveis precisam buscar ajuda profissional.

“O tempo de elaboração do luto é muito particular, mas é preciso observar se a criança está se fechando muito, se não há diálogo, não há expressão. Há casos em que elas deixam de comer, ficam mais agressivas, não dormem direito, tem a rotina prejudicada na escola. Em casos assim, os pais devem buscar ajuda profissional para saber como lidar com a criança. Se nem assim a situação melhorar, aí eles devem levar esse menor para ser avaliado”, explicou.

Muitas vezes algumas sessões de terapia, por exemplo, podem ajudar a criança a colocar aquele sentimento reprimido para fora. “Em casos mais extremos isso pode ser necessário, mas, na maioria das vezes, basta que a gente esteja disponível para ficar junto e seja paciente para ouvir a criança quando ela quiser falar. Às vezes apenas um abraço é suficiente, mas, quando necessário, a ajuda profissional pode sim ajudar nesse processo”, concluiu a psicóloga.