Como ensinar as crianças a se protegerem de abuso sexual

2015-04-10_190211

Psicóloga Viviane Tremarin |Pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental

Você pode facilmente inserir conceitos de não consentimento no dia a dia sem ter que falar sobre sexo.

Essa semana cenas de um pastor, amigo íntimo de Wesley Safadão, trouxeram a discussão sobre enfrentamento da violência sexual infantil de volta aos assuntos mais comentados na internet. Nas imagens postadas por Wesley Safadão, o pastor abraça pelas costas uma criança e sua mão toca na altura dos seus seios. Tanto Wesley quanto os pais da criança se pronunciaram em defesa do pastor e disseram se tratar de um mal entendido.
Tudo isso levantou a questão: “como proteger uma criança de sofrer abusos?” Vale lembrar que em 2020 os dados de denúncias de violência sexual infantil mostraram que 73% dos casos ocorreram dentro de casa, e que em 40% dos casos a violência foi cometida por um familiar ou conhecido da vítima. Os dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da família e dos Direitos Humanos foi um balanço feito pelo Disque 100, um canal gratuito para denúncia de violação de direitos humanos, e servem para quebrar alguns mitos em relação a violência sexual infantil.
Na maioria dos casos, a violência acontece dentro de casa e por pessoas de confiança. Nosso papel, enquanto pais e cuidadores, também é ensinar as nossas crianças como elas podem se proteger. O assunto é tabu, pois algumas pessoas entendem que ao ensinar uma criança como se proteger em uma situação de abuso, estará tirando dela a inocência. Tenha em mente que, o que tira a inocência da criança é ela ter contato com um abusador sem saber se defender. Conversar sobre abuso sexual com crianças é necessário e protetivo, e é possível fazer isso sem falar sobre sexo.

O que ensinar
para cada idade?
Uma a cada cinco crianças sofre algum tipo de violência sexual durante a infância, por isso informação é tão importante, e nunca é cedo demais para ensinar a elas alguns conceitos, já que o abuso acontece em todas as faixas etárias. Estudos mostraram que informação em assuntos sobre o corpo e a sexualidade tornam as crianças menos vulneráveis a abusos sexuais e ajudam a desenvolver competências e habilidades para se expressar e buscar ajuda caso esteja sofrendo esse tipo de violência.
Caroline Arcari é autora e pedagoga mestre em educação sexual. Há quinze anos Caroline trabalha com prevenção e enfrentamento da violência sexual infantil e criou os personagens “Pipo e Fifi” que são quem nos auxiliam a falar sobre esse tema com as crianças em seu livro “Pipo e Fifi: prevenção de violência sexual na infância” que ensina as crianças conceitos básicos sobre o corpo, a privacidade e trocas afetivas de forma simples e lúdica.
Além dos livros, é possível encontrar diversos materiais da autora voltados ao público infantil e a proteção da infância no youtube. Suas orientações para abordar o tema com crianças respeitando a faixa etária delas são:
Crianças de 0 a 2 anos estão menos vulneráveis quando sabem nomear todas as partes do corpo, incluindo as partes íntimas (seja pelo nome científico ou apelidos familiares) e quando sabem quem são as pessoas autorizadas a ajuda-las com higiene (mãe, pai, avó, cuidadora da creche).
A conversa respeita a fase de desenvolvimento da criança, pois nesta idade é comum que ela desenvolva sentimentos de confiança; aprenda sobre o próprio corpo pelo tato; são capazes de diferenciar características entre meninos e meninas; são mais curiosas e propensas a fazer perguntas e conversam sobre funções corporais (como o cocô e xixi).
Crianças de 3 a 5 anos além de nomear todas as partes do corpo e saber quem tem autorização para tocá-las em momentos de higiene, estão menos vulneráveis quando sabem informações básicas sobre partes íntimas, como dizer não e como buscar ajuda caso sejam tocadas de forma abusiva.
Também devem saber informações básicas sobre o corpo, como de onde vêm os bebês e a diferença do corpo do adulto e da criança. O tema respeita a idade da criança porque nessa idade é comum que elas experimentem maior contato social e que façam perguntas sobre como os bebes nascem.
Crianças de 6 a 10 anos além do mencionado para as outras idades, devem ser orientados quanto ao uso de aplicativos nas redes sociais, sobre violência sexual, formas de proteção e de buscar ajuda. Devem saber o básico da reprodução humana como relação sexual, conceito de consentimento, anatomia, transformações do corpo, puberdade e orientação sexual. O tema é apropriado pois nessa fase elas desenvolvem amizades mais estáveis e desenvolvem sentimento de pudor.
Crianças de 11 a 12 anos além das informações iniciais, também devem ter espaços para debate, diálogo e reflexões para desenvolver empatia e habilidades sociais de resistência a pressão do grupo. E devem ter conhecimento sobre direitos sexuais, planejamento familiar e métodos contraceptivos. O tema é apropriado pois nessa fase podem iniciar os relacionamentos românticos; a criança também desenvolve o corpo e passa a se preocupar com questões de sexualidade.

Como inserir o assunto
no dia a dia da criança?
Para falar sobre abuso sexual não é necessário um dia específico. A educação aberta pode vir desde o berço. Ensinar a criança que ela tem limites e eles devem ser respeitados é um trabalho em equipe. O corpo da criança é dela e isso deve ser ensinado a ela desde sempre, e mais do que ensiná-las, nós também devemos aprender a respeitar o espaço delas e quando elas não estão confortáveis na presença de outras pessoas. A criança tem o direito de recusar toques e carinhos, por mais inocentes que sejam. Ensine ela a dizer “não” de forma imediata e firme, e também a fugir de situações perigosas e contar a um adulto de confiança o que aconteceu.
Diferencie o toque do sim e o toque não, assim elas saberão a diferença do afeto e do abuso. O toque do sim pode ser pegar na mão de um adulto para atravessar a rua, um cafuné para dormir, um abraço de saudade e também quando a criança precisa de ajuda para tomar banho, se vestir ou ir ao médico.
O toque do não é quando alguém tenta beijá-la ou abraça-la sem seu consentimento, sentar no colo de alguém quando não quer ou carinho “em segredo”, e principalmente quando um adulto não autorizado toca em suas partes íntimas. Quando a criança aprende seus limites corporais ela saberá responder melhor a uma intromissão, e também reconhecerá os limites do carinho e da ajuda.
É importante usar uma linguagem clara e apropriada para a idade, evitando termos abstratos. Dizer a criança que ela pode se sentir “estranha”, por exemplo, pode passar uma mensagem confusa, pois pela pouca idade talvez ela não saiba entender o que é um “sentimento estranho”. Pode-se falar com a criança sobre os momentos em que se despir é normal, como para tomar banho com a mamãe ou na praia com a família. Com educação apropriada, as crianças são capazes de entender o que é carinho e o que é abuso.
Para quem quer denunciar os canais são: conselho tutelar para casos de violência física e sexual; Disque 100 para violação de direitos humanos (serviço gratuito, anônimo e 24h); Disque 180 em caso de violência contra mulheres e meninas (serviço gratuito, anônimo e 24h); Creas da sua cidade que é responsável por atender crianças, adolescentes e famílias em situação de risco.