Coluna | “Eu quero tanto ser você e eu nem te conheço”

2015-04-10_190211

Psicóloga Viviane Tremarin – Psicóloga e Pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental

“Eu quero jogar meu celular do outro lado da sala porque tudo que eu vejo são garotas muito boas para serem verdade. Eu queria não me importar”. É assim que Olivia Rodrigo canta sobre comparação. A nova queridinha da música pop abraça o que todas as gerações tem em comum, e se você ainda não ouviu falar dela, prepare-se, pois a garota tem quebrado vários recordes no mundo da música e tem superado artistas como Elton John e Justin Bieber em número de visualizações na internet.

Olivia é o novo fenômeno na música e o segredo do seu sucesso nem é difícil de decifrar: uma mistura daquele rock que os millenials ouviam na adolescência enquanto juravam aos pais que não era apenas uma fase, com as letras profundas de dores que a geração z tem nos ensinado a nomear. Olivia é um sucesso porque ela nos coloca em contato com as sutilezas do dia, aqueles detalhes que influenciam na forma como nos sentimos, mas que nem percebemos nos atravessar. Meu conselho para quem tem filho adolescente é: ouça Olivia Rodrigo, ela está traduzindo em música o que uma geração está tentando nos mostrar.

Um hábito destrutivo
Mas as dores que ela tem cantado não são novidade dessa geração. Principalmente quando falamos sobre comparação em rede social, basta ter uma conta em alguma para saber do que se trata.
“Eu sei que a beleza delas não anula a minha, mas parece que esse peso está nas minhas costas e eu não consigo esquecê-lo”, mais do que se comparar com os corpos perfeitos que a internet exibe, Olivia também mostra como o padrão de beleza inalcançável que construímos ao longo do tempo tem mexido com a autoestima e autoconfiança dos jovens.

Ela entende, sabiamente, que belezas são diferentes e a existência de uma não exclui a outra, mas ainda assim sente a pressão que nos é colocada de sermos amados pelo que somos no externo.
As redes sociais talvez estejam alterando nossas noções de afeto. Quando vemos uma modelo sendo amada por seu porte físico logo associamos esse carinho ao seu diferencial de beleza, então buscamos também este amor, pois todos queremos ser amados, e na busca de ser como ela, comprometemos o nosso bem-estar e passamos a ser duros conosco, nos julgando por não termos aquela vida que parece tão melhor do que a nossa.

Em “jealousy, jealousy” Olivia Rodrigo canta sobre a inveja que sente quando acessa suas redes sociais e vê as vidas perfeitas tão diferente da rotina normal dela “tudo o que eu vejo é o que eu deveria ser: mais feliz, mais bonita, inveja”. “Todos os seus amigos são tão legais. Você sai todas as noites no belo carro do seu pai. Você está vivendo a vida, tem um rosto tão lindo e um namorado lindo também. Eu quero tanto ser você e eu nem te conheço” e eu traduzo as palavras dela na música, porque enquanto a ouço consigo imaginá-la sentada na minha frente enquanto me fala sobre essa dor.

É fácil de visualizar porque acontece todo dia na clínica. As redes sociais vieram para nos aproximar, mas elas têm impactado a saúde mental das pessoas que a usam de diversas formas, e a comparação da própria vida com aquela que se vê online tem sido uma delas.

Uma régua de proporções desastrosas
Um estudo feito por uma instituição de saúde pública no Reino Unido, em parceira com o Movimento de Saúde Jovem, concluiu que as redes sociais provocam efeitos positivos ou nocivos à saúde, dependendo da forma como são utilizadas. Entre as redes que provocam um efeito positivo se destaca o Youtube, já o Instagram e Snapchat prejudicam o desempenho dos jovens.

O estudo mostrou que o compartilhamento de fotos pelo Instagram afeta negativamente o sono, a autoimagem e aumenta o medo de ficar por fora dos acontecimentos da rede. 70% dos jovens que participaram da pesquisa disseram que o aplicativo fez com que eles se sentissem pior em relação à própria autoimagem, e esse número é ainda maior entre as meninas, subindo para 90%.
Recentemente o Instagram optou por ocultar o número de curtidas em publicações, como uma tentativa de reduzir os danos à saúde mental que o aplicativo tem causado.

Os desenvolvedores disseram que não querem que as pessoas se sintam em competição dentro do aplicativo, e testaram a mudança com a intenção de que as pessoas foquem menos em número de curtidas e mais em contar as próprias histórias. Hoje, o usuário pode escolher se quer ou não ter acesso a esse número. O impacto das redes sociais é tão grande que outro estudo concluiu que elas são responsáveis pelo aumento da procura de cirurgias plásticas em gerações mais jovens.

Olivia termina a música de uma forma fantástica quando diz “eu quero tanto ser você e eu nem te conheço”. Primeiro porque mostra a proporção do problema que a comparação se torna na vida das pessoas, nos fazendo desejar ter a vida de alguém que nem conhecemos o suficiente para saber se realmente é melhor do que a nossa.

Mas é também a resposta que a comparação precisa: dá para julgar como perfeita uma vida que não conhecemos? Levando em consideração que vemos apenas aquilo que os outros nospermitem ver, podemos concluir que a vida do outro é perfeita enquanto a nossa não é? Quem foi que criou essa régua que mede vidas ao invés de centímetros?

A próxima vez que a comparação bater a porta vamos nos lembrar que a única comparação justa é aquela que acontece do lado de dentro. Quanto você cresceu? Quanto você melhorou? Compare-se com versões passadas de si mesmo(a) porque só você possui a sua história.

O uso consciente é o segredo do bem-estar
As redes sociais isoladas não prejudicam ninguém, mas a forma como a usamos sim, e como um programa de computador que é comandado por humanos, elas se tornaram um espelho da sociedade. Estar conectado(a) pode ser positivo quando se mede o tempo de uso, o apoio que se encontra ali e a qualidade das relações que são cultivadas.

Atualmente estar no mundo é estar em uma rede social, e como fugir delas se torna difícil para alguns, o melhor a se fazer é desenvolver uma relação equilibrada com elas. Para isso podemos começar reduzindo as notificações já que elas trazem sensação de prioridade nas ações e isso pode influenciar na ansiedade.

Consumir o conteúdo em baixa velocidade, pois o excesso de informação sobrecarrega e causa exaustão. Praticar o unfollow terapêutico, está liberado deixar de seguir pessoas que postam conteúdos que fazem com que nos sintamos mal. Refletir sobre o nosso objetivo nas redes e fazer escolhas conscientes que agreguem na vida. E principalmente se permitir ser falho(a), em muitos momentos vamos encontrar pessoas que se destacam de nós, faz parte da vida, mas lembre-se que seu superpoder é ser você e ninguém mais o tem.