Carnaval de 2020 será o primeiro em que assédio sexual será tratado como crime

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Sancionada em setembro do ano passado, lei tipifica beijos roubados, toques inconvenientes e outros atos libidinosos como crime de importunação sexual

As mulheres já cansaram de repetir, mas sabem que, em todo o Carnaval, vale a pena frisar: não é não. Em 2019, porém, quem for vítima de algum tipo de assédio no Carnaval brasileiro terá o respaldo da Constituição. Afinal, esse é o primeiro ano em que o assédio sexual contra foliãs e foliões será tratado como crime no Brasil. Até então, existia um limbo entre a importunação ofensiva e o estupro, o que dava margem para isentar uma série de abusos.  Foi em setembro do ano passado, que o projeto de lei que tipifica o crime de importunação sexual foi sancionado. Na ocasião, quem o assinou foi o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, então presidente da República em exercício. Com isso, os beijos roubados, os toques inconvenientes e todos os demais atos libidinosos recorrentes na folia, poderão ser enquadrados como assédio no Carnaval .

A lei define como crime de importunação sexual “praticar ato libidinoso contra alguém sem consentimento para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiros”. A punição prevista para quem não obedecer a legislação e ultrapassar a barreira do não é de 1 a 5 anos de prisão – pena mais dura que a dada a quem comete homicídio culposo, sem intenção de matar, cuja punição é de 1 a 3 anos de detenção.  Até o ano passado, quem roubasse um beijo no Carnaval ou tocasse em foliãs sem qualquer consentimento até poderia ser denunciado, mas teria o crime enquadrado na lei de contravenções penais, que previa a importunação ofensiva ao pudor, cuja punição era a de ter que assinar um termo circunstanciado e pagar uma multa.  Nos casos mais graves, a lei tipificava o episódio como estupro , que é definido na Constituição como o ato de constranger alguém a ter conjunção carnal ou a praticar ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça. Entre a importunação ofensiva e o estupro, no entanto, existia uma série de crimes que não ganhavam definição exata entre as duas opções.

Agora, a lei mudou e o respeito na avenida virou caso de Justiça. Assim, para ajudar a divulgar a nova legislação e a estimular um comportamento amigável durante a folia, o coletivo Não é Não, que combate o assédio no Carnaval , pretende lançar uma cartilha para explicar do que se trata o crime de importunação sexual e o de estupro. Além disso, serão distribuídas tatuagens temporárias em dezenas de blocos, engrossando a campanha. Vítimas de abuso devem procurar a autoridade policial para relatar o crime. Também podem registrar a ocorrência depois do bloco, na delegacia mais próxima. A punição prevista é de 1 a 5 anos de prisão, mais dura do que para homicídio culposo (sem intenção de matar), cuja pena é de 1 a 3 anos. Ações do tipo eram enquadradas na lei de contravenções penais, que previa a importunação ofensiva ao pudor. A punição: assinatura de um termo circunstanciado (com o resumo dos fatos) e no pagamento de multa.

O que é importunação sexual? 
É a prática de ato libidinoso contra alguém, sem consenso, para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. O crime está previsto na lei 13.718, sancionada em setembro de 2018

Qual a pena prevista? 
De 1 a 5 anos de prisão —a pena para homicídio culposo (sem intenção de matar), por exemplo, é de 1 a 3 anos

Quais atos se encaixam na categoria? 
“Roubar” um beijo; tocar nos seios, na genitália ou nas pernas de alguém sem permissão; roçar a genitália de outra pessoa sem consentimento; se masturbar ou ejacular em uma mulher em local público

Beijo a força também se encaixa na categoria? 
Nesse caso, o crime é de estupro, já que o ato libidinoso foi praticado mediante violência

Cantadas indesejadas também são consideradas importunação? 
Proferir palavras vulgares e pejorativas para alguém sem anuência tende a ser considerado injúria, que trata-se de um crime contra a honra. A pena vai de 1 mês a 3 anos de detenção e multa

O que devo fazer se for assediada em um bloco? 
A orientação é procurar a autoridade policial mais próxima. A ocorrência também pode ser registrada na delegacia mais próxima ao local do crime Fontes: Jacqueline Valadares, delegada titular da 2ª Delegacia de Defesa da Mulher, Raquel Kobashi Gallinati, delegada e presidente do Sindpesp (sindicato dos delegados de São Paulo), e Osvaldo Nico, diretor do Decade.

“Não é Não”: conheça a campanha contra o assédio no Carnaval

A campanha Não é Não contra o assédio no carnaval, criada em 2017 por um coletivo de mulheres vai chegar, este ano, a 15 estados brasileiros, incluindo Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Piauí, Paraíba e Espírito Santo, que participam pela primeira vez da ação.  O coletivo distribui tatuagens temporárias com os dizeres Não é Não, faz palestras e rodas de conversa para conscientização sobre o tema. Em entrevista à Agência Brasil, a estilista Aisha Jacon, uma das criadoras da campanha, disse que o balanço da ação é positivo. “A gente vê uma adesão super expressiva e entende que o assunto tem de ser tratado. Há uma lacuna”, manifestou. Em 2017, foram distribuídas 4 mil tatuagens; no ano passado, esse número evoluiu para 186 mil. Para o carnaval de 2020, a meta é produzir 200 mil tatuagens. Aisha Jacob reconheceu, entretanto, que tudo vai depender da verba que for obtida por meio do financiamento coletivo, pelo site do coletivo. “É preciso que haja mais contribuições de pessoas físicas mesmo”.

Reação
Indagada sobre a reação masculina à campanha, Aisha disse que tem de tudo, ”desde apoio, homem que acha incrível e contribui (financeiramente), como tem aqueles que incomodam bastante”. Ela vê a campanha como um projeto de reeducação geral. “É fazer entender que assédio não é legal. É diferente de paquera. É um processo. Não vai ser do dia para a noite que a gente vai conseguir”. Um dos projetos do coletivo que depende também de apoio financeiro para se expandir abrange a realização de palestras e rodas de conversa em escolas e universidades. Até o momento, as voluntárias do coletivo visitaram algumas escolas e faculdades em alguns estados. “É o lugar que a gente mais gosta de estar como projeto”. Aisha mencionou o retorno que o projeto teve em uma escola em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, onde as alunas relataram terem sofrido uma situação de assédio, que levaram para a diretoria. “Elas conversaram com o menino e conseguiram fazer um movimento dentro da escola de forma diferente”.

Manifesto
No manifesto contra o assédio nos espaços públicos o coletivo de mulheres salienta: “O corpo é uma festa mas não é público! O corpo é nosso e não está disponível a quem queira. Não aceitamos nenhuma forma de assédio: seja visual, verbal ou física. Assédio não é elogio. Assédio é constrangimento. É violência! Defendemos nosso direito de ir e vir, de nos divertir, de trabalhar, de gozar, de se relacionar. De ser autêntica. Que todas as mulheres possam ser tudo aquilo que quiserem ser”.

O grupo se considera um escudo de proteção para as mulheres. “Criamos juntas um escudo, uma barreira de proteção e conexão. Formamos uma rede de apoio entre mulheres. Mais do que um recado para os homens, uma afirmação feminina do nosso desejo: podemos e vamos dizer não! É por isso que tatuamos nos nossos corpos: Não é Não! Por todas as mulheres que tiveram seus corpos violados, que sentiram medo de andar na rua, que tiveram vergonha, que sendo vítimas, se sentiram culpadas. Por todas as meninas que já nasceram ou irão nascer. Para que todas possam viver em um mundo com mais equidade de direitos e oportunidades. Por todas essas mulheres repetimos: Não é Não”.

Saiba diferenciar paquera de assédio

Ao contrário do que muitas pessoas dizem, nem tudo é permitido no Carnaval

Seja na diversão da folia carnavalesca ou na rotina corrida da vida real, mulheres lidam com situações de assédio justificadas por agressores como “apenas uma paquera” diariamente. Quantas vezes você já viu alguém diminuir um abuso dizendo que foi uma simples cantada? Pois é. E embora esta seja uma realidade recorrente em todos os outros dias do ano, o Carnaval é uma época capaz de trazer diferentes tipos de assédio em um curto período de tempo. Por isso, é preciso entender (de uma vez por todas) e explicar para quem não sabe quais são os limites entre a paquera e o assédio.

Foi essa a discussão que a marca de beleza OGX em parceria com AZMina propôs com o movimento #MeuCabeloNão. Em conversa liderada pela Cris Barti, do podcast Mamilos, com participação da Juliana Luna e Carolina Oms, da Revista AzMina, a campanha refletiu sobre a beleza e a liberdade feminina no Carnaval, apesar da sensação de insegurança devido ao assédio.
“Ao mesmo tempo em que há a sensação de que se pode tudo no Carnaval, vem o assédio e limita. Mostra que não é bem assim”, reflete Cris. Ela, que demorou um bom tempo para assumir seus cachos, afirma que hoje em dia é preciso de até mesmo uma certa dose de revolta para “se assumir bela”, principalmente quando o desafio é aceitar seu cabelo natural, do jeitinho que ele é. “O que o assédio vem e faz? Tira essa liberdade. Porque o assédio diz ‘isso é um convite’ e o Carnaval é o ápice do assédio”, diz.

Para Carolina, a linha entre paquera e assédio é simples, direta e fácil. “Quando a gente para pra pensar o que é paquera e assédio, eu começo pelo ‘não’. O ‘não’ é bem óbvio. É ‘não me toca se eu não te der abertura pra me tocar’, ‘não puxa meu cabelo’ e ‘não é pra chegar sarrando se eu não estou dançando com você’”, comenta. Carol também destaca a importância e necessidade do homem estar aberto a entender que não rolou, reconhecer o erro e pedir desculpas. “Tudo bem levar toco, mas falta abertura para receber esse não“, ela opina. Para quem está sozinha, dizer um “não” pode se tornar uma tarefa muito assustadora, embora seja um direito básico da mulher. Afinal, nunca dá para saber se o cara vai reagir numa boa. Por isso, há quem recorra a outros tipos de resposta para rejeitá-lo sem receber uma reação agressiva, como inventar que tem namorado – mesmo que você seja solteira. “O nosso primeiro estímulo é o da defesa”, ressalta Cris.

Atire uma pedra a mulher que já foi para bloco de Carnaval e não sofreu pelo menos um tipo de assédio – ou talvez até tenha sofrido e não percebeu. Puxar pelo braço, segurar o rosto, tentar beijar à força, insistir em beijar depois do “não”, puxar o cabelo, chegar dançando por trás, encostar muito sem necessidade nenhuma. Enfim, quantos assédios cabe em um bloquinho? Ou uma balada? No transporte público ou na rua? Saiba reconhecê-los e denunciá-los.