Benefícios sobre a mudança de currículo do ensino médio não é unanimidade entre educadores e alunos

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Com documento aprovado, apenas as disciplinas de português e matemática terão carga horária obrigatória em todos os três anos do ensino médio. Novo currículo entra em vigor no primeiro semestre de 2020

 

Na última terça-feira, dia 4, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio. Foram 18 votos a favor e duas abstenções. Essa foi a última etapa antes da homologação do documento, que servirá como orientação para os currículos de todas as escolas públicas e privadas do país. Algumas escolas começarão a implementar as mudanças a partir de 2020. Em Bento Gonçalves duas escolas já estão preparadas para o projeto piloto da nova base de educação. São elas: Colégio Visconde de Bom Retiro e o Instituto Nacional de Educação Cecília Meirelles. Mesmo com a aprovação o projeto divide opiniões entre professores e alunos.
O professor de História e também diretor do Bom Retiro, Alexandre Misturini, se posiciona favorável a mudança. De acordo com ele, a escola em que trabalha passará por um processo chamado “projeto piloto”, que consiste na implantação gradual do novo currículo.

O professor de História e diretor da escola Bom Retiro, Alexandre Misturini é favorável a mudança

“No ano que vem vai ter ensino médio normal. Os professores vão ter formação, com orientação do Ministério da educação (Mec) para preparação do plano pedagógico. O próprio currículo, durante todo ano de 2019 vai ser estudado para ser aplicado. Isso será gradual. Em 2020 começa o primeiro ano do ensino médio nas escolas que são piloto. Aqui em Bento, as escolas Cecília Meirelles e Bom Retiro fazem parte desse grupo. As escolas vão receber verba do governo federal. Eu vou receber aproximadamente R$ 110 mil para o projeto piloto no Bom Retiro, que inclui formação de professores, compra de mobiliário, equipamento de informática, compra de livros, contratação de professores de universidade para dar formação”, explica.
Misturini, que é professor há 21 anos está otimista quanto ao sucesso do programa e da nova modalidade de ensino. “Estamos dando um passo à frente no uso de tecnologia. Temos mais a ganhar do que perder, não sou tão pessimista, ninguém vai sair sem ser um cidadão consciente. Será uma construção, é democrático e o Mec tem quem te de dar um norte, mas ao mesmo tempo não foi autoritário, tem autonomia para melhorar e construir o novo ensino médio de forma positiva. Então, em 2020 o 1º ano vai ter a experiência do novo currículo, 2021 o 1º e 2º ano e 2022 o 1º, 2º e 3º anos”, salienta.
A visão otimista de Misturini não é compartilhada pelo também professor Alex Luiz Bareta, que entende como sendo um retrocesso na educação do país.

O empresário e educador Alex Bareta não vê a mudança curricular como positiva

“O aluno hoje sai do ensino médio batendo no peito dizendo que nunca lera um livro. Os alunos hoje não sabem absolutamente nada de cálculos básicos. A universalidade do conhecimento que já era uma tragédia se torna ainda maior. A intenção desse atual governo é desaparelhar o ensino como um todo, e aquela velha máxima da década de 70 se volta a escutar, que povo sem conhecimento é muito mais fácil de manipular. Eu não vejo com bons olhos. Chamo isso de desaparelhamento pedagógico”, critica.
Ainda de acordo com Bareta, outro ponto criticado é o fato de não ter tido um debate amplo sobre o assunto. “Acho que não foi suficientemente debatido com a comunidade científica, de conhecimento e cultura das principais autoridades de educação do Brasil. É uma lástima ter que engolir a goela abaixo. Uma tragédia anunciada esse tipo de coisa”, afirma.

A professora Francine Brandalise de História vê com preocupação o conteúdo na formação do estudante

Para a professora de História, Francine Brandalise, a mudança gera uma série de dúvidas, e de acordo com ela, ainda é cedo para criticar. “Num primeiro momento tenho dúvida, porque a base não foi bem discutida com professores, alunos e nem comunidade. Eu avalio que vai ser difícil ser implementada esta mudança com sucesso.”
Francine vê com preocupação a formação dos estudantes. “Várias questões estão mal explicadas. Não sei também como vai ficar o conteúdo dos estudantes, como vai ser o desempenho deles no vestibular e Enem. Essa questão de formação do estudante é muito importante”, complementa.

O efeito nos alunos
A estudante do 2º ano do ensino médio, Érica Vilarino da Silva, de 16 anos, entende que a mudança no currículo não seria necessária e que futuramente pode prejudicar os estudantes.

A estudante do 2º ano, Érica Vilarino vê com uma regressão somente duas disciplinas serem obrigatórias

“Todas as áreas do conhecimento devem ser estudadas, a obrigatoriedade de somente matemática e português vejo com uma regressão, é importante ter noção de pelo menos o básico de cada disciplina. Muitos estudantes não vão optar por história, biologia ou geografia por exemplo, e essas matérias nos ajudam a compreender o mundo, a compreender nós mesmos. E também tem a parte de sociologia e filosofia que nos estimula a pensar, a formar nossa própria opinião, a questionar. Enfim, deveríamos continuar com a mesma grade, não vejo essa reforma necessária, o que é necessário são incentivos ao educador, ao estudante para que tenham a visão que todas essas disciplinas são importantes pra termos noção pelo menos do básico e termos nossas próprias opiniões”, comenta.
A estudante do 9º ano, Julia Pires, 16 anos, também acha que a mudança não é benéfica.
“O português e a matemática são iguais as outras matérias quando se refere a importância, porém são as mais utilizadas no nosso dia a dia. Para algumas pessoas essa mudança de ensino será boa no sentido de ter que se esforçar menos, se preocupar menos por conta de ser apenas duas matérias, para os acomodados e ingênuos será ótimo. Só que na verdade nós sabemos que é necessário que todas as matérias sejam ensinadas e realmente absorvidas. Eu não apoiaria esse tipo de mudança”, diz.

Júlia Pires, do 9º ano acredita que a mudança curricular não será benéfica

Entenda a cronologia do BNCC
A BNCC tem caráter normativo e não precisa passar por votação no Congresso nem sanção presidencial. Porém, ela ainda precisará ser homologada pelo ministro da Educação.
A base define o conteúdo mínimo que os estudantes de ensino médio de todo o Brasil deverão aprender em sala de aula, e deve ser implementada em cada estado conforme as realidades locais. A previsão é que as mudanças estejam em vigor no início do ano letivo de 2020.
O documento, porém, foi aprovado após diversos protestos de professores, que eram contrários ao texto apresentado pelo Ministério da Educação em abril deste ano. Algumas das cinco audiências públicas previstas pelo CNE entre maio e agosto nas cinco regiões brasileiras chegaram a ser canceladas após protestos, como foi o caso do evento que aconteceria em São Paulo.

O que muda no ensino médio
Matemática e português terão carga horária obrigatória nos três anos do ensino médio;
Demais conhecimentos poderão ser distribuídos ao longo destes três anos (seja concentrado em um ano, ou em dois, ou mesmo em três)
Os currículos estaduais devem ser adaptados e implementados até o início das aulas de 2022

Em construção desde 2015
A aprovação da BNCC nesta terça encerra um processo de construção que durou três anos e meio. A duração do processo no caso do ensino médio foi mais lenta por causa do anúncio da reforma do ensino médio em 2016, o que acabou “fatiando” a BNCC em duas. A versão específica para os ensinos infantil e fundamental foi aprovada em dezembro de 2017.
Antes de aprovar a BNCC do ensino médio, o CNE precisou redefinir as diretrizes curriculares, processo que foi concluído em novembro deste ano.

Reforma do ensino médio
A reforma estabeleceu um currículo baseado em cinco itinerários formativos:
linguagens e suas tecnologias
matemática e suas tecnologias
ciências da natureza e suas tecnologias
ciências humanas e sociais aplicadas
formação técnica e profissional
Com a reforma, ficou estabelecido que as escolas poderiam escolher como iriam ocupar 40% da carga horária do ensino médio. Os demais 60% seriam estabelecidos pela BNCC.
A reforma também previa mais escolas em tempo integral. A meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê que, até 2024, 50% das escolas e 25% das matrículas na educação básica (incluindo os ensinos infantil, fundamental e médio) estejam no ensino de tempo integral.

Implementação
Após revisão, a BNCC será encaminhada ao MEC e já tem data prevista para ser homologada, no dia 14 de dezembro. Junto com a homologação, segundo Kátia, o MEC apresentará os referenciais para que servirão de norte para as redes de ensino implementarem os itinerários formativos.
Os estados, que detêm a maior parte das matrículas do ensino médio, terão um ano para fazer o cronograma da implementação da BNCC e um ano para implementá-la, ou seja, o documento deverá chegar na prática, nas escolas, até 2021. Após a implementação, o documento será revisto em três anos, em 2023.
Ainda terão que ser adequados ao novo ensino médio, os livros didáticos, a formação de professores e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).