Apesar de poucos registros policiais, conto do bilhete faz inúmeras vítimas

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Conhecido como conto do vigário por causa de Perez Vigário, um estelionatário que criou fama no século XIX0

Alvos preferidos são mulheres com idades entre 50 e 70 anos que, ingenuamente acreditam em promessa de dinheiro fácil

O golpe do bilhete tem gerado novas vítimas em Bento Gonçalves. Só em 2017, seis pessoas foram enganadas por criminosos, segundo registros policiais, mas o número pode ser ainda maior, já que muitas vítimas não realizam boletim de ocorrência. Com idades entre 50 e 70 anos, as vítimas são iludidas por estelionatários para realizarem saques bancários.
Em janeiro uma mulher de 54 anos perdeu R$ 14 mil no golpe do bilhete. De acordo com o Boletim de Ocorrência registrado na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), a mulher caminhava pela rua Fortaleza, no bairro Botafogo, quando foi abordada por um homem pedindo ajuda para receber um bilhete premiado. Eles prometeram à vítima R$ 150 mil em troca de uma quantia em dinheiro.
A vítima foi com os criminosos até a agência do Banrisul, no centro, e sacou R$ 2 mil. A quantia maior, no entanto, foi retirada da agência da Cidade Alta, onde a vítima sacou mais R$ 12 mil. Após isso, deixaram a mulher em via pública, prometendo buscá-la após trocarem de carro.
A vítima percebeu que tratava-se de um golpe quando os criminosos não retornaram. Ela ainda deixou o celular no carro dos indivíduos.
O último golpe aconteceu na última segunda-feira, dia 3, e envolveu uma idosa de 65 anos. A vítima aguardava o ônibus em uma parada próxima ao Colégio Cenecista, no bairro São Roque, quando foi abordada por um senhor pedindo informações de endereços. A justificativa dos criminosos era de que portavam um bilhete premiado.
A vítima disse que precisava ir para o Centro sacar R$8 mil e os dois ofereceram uma carona para a idosa. Eles aguardaram o saque e ofereceram carona de volta para ela. No caminho ao São Roque, um deles disse estar passando mal e solicitou que ela parasse para comprar uma água enquanto ele ia estacionar.
A vítima deixou o pacote com o valor dentro do carro. Os homens não voltaram. A idosa informou que o senhor disse ser engenheiro e morar no São Roque.
Em junho deste ano outra idosa de 62 anos perdeu R$ 12,5 mil no golpe do bilhete. Ela foi abordada no bairro São Roque por um homem que dizia não ter documentos, nem sabia ler e que teria um bilhete premiado.
Em seguida apareceu outro rapaz, dizendo que o ajudaria, fingiu ligar para o banco e confirmou o prêmio. O dono do bilhete ofereceu R$100 mil para cada um, porém disse que precisava de uma garantia. Os dois suspeitos levaram a vítima até uma agência no centro de Bento Gonçalves, onde sacou R$ 9 mil e depois a uma agência no bairro Cidade Alta, onde a idosa sacou mais R$3,5 mil.
Os golpistas disseram que a vítima só poderia sacar o prêmio às 16h, então entregaram um pacote dentro de uma meia com o que seria o dinheiro dela de volta e após foram embora. Quando a vítima abriu o pacote percebeu que havia apenas papel.
O primeiro homem era moreno, cabelos escuros, cerca de 1,60m, aparentando cerca de 30 anos, o outro era loiro, alto, magro, aparentando a mesma idade.

O golpe do bilhete
O primeiro boletim de ocorrência do golpe no Brasil foi registrado em 1934, em São Paulo. Conhecido como conto do vigário por causa de Perez Vigário, um estelionatário que criou fama no século XIX, o golpe tem em base a mesma essência: alguém aborda a vítima dizendo ter um bilhete premiado e pedindo informações.
Esse vigartista avisa que precisa de um valor para resgatar o prêmio, e oferece à vítima uma parte dele caso ela lhe empreste o dinheiro necessário. Nisso, uma terceira pessoa se aproxima, geralmente bem-vestida, fingindo também ter interesse no prêmio. Ela liga para o banco e confirma que o tal bilhete é mesmo premiado. E depois, acontece o desfecho que todo mundo conhece.

Os passos do golpe e o
perfil psicológico da vítima
Para analisar a psicologia da vítima é preciso desmebrar o golpe em fases. A primeira é a da promessa, na qual o vigarista chama a atenção da vítima e introduz a proposta, que parece ser irrecusável. Depois da promessa, o segundo passo é a fidelização, quando o objetivo é dar credibilidade à proposta. Ali que se encaixam os cúmplices. A terceira fase é a finalização do golpe, conhecida como truque, que se caracteriza pelo momento da distração da vítima.
Para a psicóloga Karen Martins Gomes, atualmente, a população tem como prioridade o ter, o ser e o conseguir. “As pessoas nutrem o pensamento do tudo eu posso, tudo eu quero, quanto mais melhor. O querer sempre mais junto com a abordagem rápida do criminoso faz com que a vítima caia no golpe”, ressalta. As vítimas são analisadas como pessoas vaidosas ou gananciosas que acreditam na promessa do dinheiro fácil.
Entretanto, são geralmente fragilizadas e vulneráveis para estelionatários. Desde o início da promessa, ela vai aplicar mentalmente a regra do custo e benefício. Segundo o Promotor de Justiça Eudes Quintino de Oliveira Júnior, a vítima só se recupera do entusiasmo após a aplicação do golpe e fica com a sensação total de frustração, de impotência pela sua própria conduta.