Algumas tecnologias exploradas na série britânica Black Mirror já estão sendo estudadas para em breve serem implantadas na vida real

2015-04-10_190211

Até 2020, Pequim, na China, planeja que seu novo Sistema de Crédito Social (SCS) esteja completamente operacional. O comportamento de cada um dos quase 1,4 bilhão de chineses será monitorado e pontuado

 

A série de televisão britânica Black Mirror está “invadindo” a vida real e começando a virar realidade em alguns lugares do mundo. Os assuntos abordados na série instigam e ultrapassam o limite da ficção. A China talvez seja o país mais próximo a implantar modelos “black mirror” na população. Até 2020, Pequim planeja que seu novo Sistema de Crédito Social (SCS) esteja completamente operacional. O modelo foi proposto pelo presidente Xi Jinping em 2014, pretende funcionar como uma espécie de ranking de confiança do governo no cidadão. O comportamento de cada um dos quase 1,4 bilhão de chineses será monitorado e pontuado.
O modelo é complexo, e as atitudes passam a valer pontos positivos e negativos atribuídos por um sistema do governo, uma espécie de Big Brother. Sua avaliação definirá se pode realizar uma viagem sonhada há muito, conseguir um novo emprego, hospedar-se em um hotel melhor ou entrar em determinada escola.
Cidadãos que levarem multas de trânsito, desrespeitarem ordens judiciais, fumarem em locais proibidos, acumularem dívidas, recusarem ingressar no serviço militar obrigatório ou postarem notícias falsas online, entre tantos outros critérios, podem ter seus créditos reduzidos.
Aos olhos ocidentais, o sistema promete trazer resultados desastrosos para as liberdades individuais e o dia a dia dos cidadãos chineses, já muito afetados por um dos governos mais restritivos do mundo. O objetivo é que, até 2020, todos os chineses estejam obrigatoriamente monitorados nessa enorme base de dados.
As punições para aqueles que acumularem uma pontuação baixa vão de restrições na compra de passagens de avião e trem ao bloqueio de acesso a linhas de crédito. Alguns também podem ser impedidos de matricular seus filhos em escolas melhores e de concorrer a postos de trabalho em órgãos públicos ou em determinadas companhias.
As notas darão os limites aos planos e ambições de cada chinês, e o governo terá informações detalhadas sobre suas iniciativas. As empresas também estão sujeitas ao mecanismo. As boas avaliações serão recompensadas com oportunidades de negócios vantajosas com o governo chinês, enquanto as companhias que tiverem créditos limitados podem até mesmo ser expulsas do país.
O sistema ainda está em fase de testes. Portanto, é operado de forma fragmentada. Em alguns lugares da China, é comandado por prefeituras e governos locais, enquanto em outros é aplicado apenas por empresas cadastradas.
Levando-se em conta o histórico de desrespeito às liberdades individuais e de censura no país, não há dúvidas de que as novas medidas devem aumentar ainda mais o controle social e os abusos do governo. O governo de Xi Jinping terá mais poder para monitorar a vida dos cidadãos e punir qualquer atitude que ameace ou vá contra os padrões e o poder do Partido Comunista.

Tecnologia avançada
A China desenvolveu recentemente sistemas de reconhecimento facial e de inteligência artificial, usados neste momento como instrumentos de vigilância em áreas públicas, soaram novamente os alarmes de países ocidentais.
As novas tecnologias devem auxiliar no recolhimento de dados para o SCS. O objetivo do governo de Xi é reunir todas as informações disponíveis em uma base de dados integrada, que estará sempre à disposição do Partido Comunista.
Especialistas acreditam que, se for desenvolvido conforme planejado, o novo mecanismo pode se tornar um dos projetos em larga escala mais complexos já desenvolvidos por qualquer governo na história.
Especialistas identificaram que, em algumas áreas do país, o governo já passou a utilizar o que ficou conhecido como Plataforma de Articulação de Operações Integradas (IJOP, na sigla em inglês).
O programa é um grande mecanismo de vigilância, que usa filmagens de câmeras de segurança, reconhecimento facial, históricos bancários e acessos à internet, além de antecedentes criminais, para criar um perfil de todos os cidadãos. A tecnologia atua em paralelo com o SCS, reunindo todas as informações necessárias para o pleno funcionamento do novo sistema.
Na cidade de Shenzhen, as autoridades locais também implantaram um modelo que usa o reconhecimento facial para identificar os cidadãos que atravessam as ruas fora da faixa de pedestres ou com o semáforo fechado. As fotos dos moradores “transgressores” são posteriormente exibidas em placas e nos órgãos públicos da cidade, como exemplo de mal comportamento.

 

Outras tecnologias da série que já existem na vida real

Abelhas robôs
(3ª temporada)
Não, Black Mirror não inventou o problema: as abelhas realmente estão sumindo,e exatamente pelo motivo que a série explica – a desordem de colapso de colônia (elas simplesmente abandonam as colônias e morrem, ninguém sabe o porquê).
Hoje, as abelhas ainda existem, mas estão em grave risco de extinção. Para contornar isso, um grupo de cientistas de Harvard já está trabalhando em uma abelha robô de 3 cm, que, assim como na série, ajudaria na polinização e evitaria um colapso mundial do ecossistema.
Por enquanto, o robozinho – batizado de RoboBee – ainda tem problemas para voar, gasta muita energia (e não cai por aí matando pessoas), mas os cientistas dizem que estão mais perto do que nunca de criar um modelo eficiente de simulação do voo das abelhas.

Casa inteligente
(Especial de Natal)
Imagine a cena: você está triste depois de um dia super difícil de trabalho. Você chega em casa, abre a porta e, na cozinha, um café fresquinho está passando – o cheiro te leva direto para as lembranças confortáveis da sua infância. Lar doce lar.
Sim, isso já é uma realidade: em 2016, cientistas do MIT criaram uma inteligência artificial capaz de ler emoções e de interagir com elas, transformando o ambiente em que você está. Bem parecido com o especial de Natal da série (vamos esperar que, nessa inteligência artificial, não exista seu clone digital escravizado, como rola na série).

Upload de consciência
(3ª temporada)
Já existem pessoas trabalhando em uma maneira de transferir a consciência humana para um computador (ou para outro corpo, menos frágil do que esse aí que você está usando agora). Um desses caras é o bilionário russo Dmitry Itskov, que, pelo menos desde 2013, tem investido um pedaço grande de sua fortuna em pesquisas sobre o upload de mentes.
Se o cara é maluco ou não, a gente não sabe, mas tem gente importante que apoia essa teoria – como Ray Kurzweil, cientista e engenheiro do Google que acha que a gente será capaz de fazer isso já em 2045. Vai saber.

Chatbot (2ª temporada)
Em Black Mirror, uma mulher que acabou de perder o marido em um acidente de carro tenta lidar com a saudade usando a tecnologia. No início, ela usa um chatbot – uma inteligência artificial que consegue conversar com você a partir de um banco de dados, e que vai aprendendo conforme a conversa vai avançando.
Isso já existe, inclusive para conversar com os mortos: no ano passado, uma engenheira russa chamada Eugenia Kuyda criou um aplicativo chamado Luka, idêntico ao serviço da série. Para isso, a estratégia foi a mesma: Eugenia usou as mensagens e posts das redes sociais de um amigo morto, Roman Mazurenko, para criar um banco de dados a partir do qual a inteligência artificial se alimenta para bater papo com qualquer pessoa. Agora, você pode “conversar” com Romanbaixando o aplicativo.

Robôs parecidos
com seres humanos
(2ª temporada)
Na série, a mesma mulher que perde o marido, no item aí em cima, dá um passo além do chatbot: ela compra um robô realista, idêntico ao marido morto. Na vida real, já existem projetos de androides que sejam indiferenciáveis dos seres humanos – e, embora isso ainda não seja possível, a gente já avançou muito nesse sentido: meses atrás, um cara criou uma Scarlet Johansson robô que sabe conversar, tem várias expressões faciais e até pisca, flertando com o interlocutor.
Se você acha isso loucura, fique sabendo que, para uma boa parte das pessoas, a possibilidade de conviver com robôs ultra parecidos com humanos não assusta: pelo menos 25% dos jovens namorariam um androide, se fosse impossível notar a diferença.

Lentes de contato de
realidade aumentada
(todas as temporadas
de Black Mirror)
Imagine se os seus olhos pudessem filmar, fotografar, passar filmes só para você, mostrar informações sobre as pessoas ao seu redor, analisar o ambiente e, de quebra, transformar a realidade em jogo. Em Black Mirror, as pessoas têm implantes cerebrais que mudam a realidade exatamente desse jeito – e na vida real não estamos tão distantes disso.
A Samsung registrou, em 2016, uma patente para a produção de lentes com microcâmeras integradas e conexão wi-fi, que seriam controladas a partir do seu smartphone e que possibilitariam uma experiência de realidade aumentada online, idêntica à da série. Já o Google foi mais fundo (literalmente) e prometeu um chip injetável para os olhos humanos, com as mesmas funções das lentes da Samsung (só que, né, quem é que gostaria de ser cobaia para isso aí?).

Hackers filmando todo
mundo (3ª temporada)
Uns amigos seus comentam que te viram em um site de pornografia. No vídeo, o ângulo parece assustadoramente com o da sua televisão… A história aconteceu com um casal, não em Black Mirror, mas na Inglaterra da vida real.
E não teve uma grande conspiração: um hacker, provavelmente entediado, quis testar os frágeis limites da segurança das Smart TVs, com câmera e microfone para responder aos comandos visuais e auditivos dos donos. Acabou dando de cara com a festinha privada no sofá.
Não é à toa que os chefões da tecnologia cobrem suas câmeras com fita adesiva. Com a Internet das Coisas crescendo tão rápido, um wi-fi pouco protegido significa uma casa inteira vulnerável a ataques de hackers. Para se proteger de uma ameaça a la Black Mirror, um bom começo é atualizar o sistema de proteção da sua internet sem fio para o protocolo de WPA2, bem mais difícil de invadir.

Uma mente
sem lembranças
(todas as temporadas
de Black Mirror)
São muitos os episódios da série que brincam com a memória dos personagens e, por consequência, com a do público também. A manipulação das lembranças já é real – pelo menos para ratos. Manipulando um neurotransmissor, a acetilcolina, cientistas conseguiram fazer com que as memórias assustadoras dos bichinhos fossem apagadas. Os pesquisadores também acham que são capazes de esticar memórias selecionadas para durarem o máximo possível. Com isso, dá para fazer você esquecer onde está, quem são as pessoas te perseguindo e que você se inscreveu em um programa bem psicopata de genocídio, por exemplo.

Supersoldados
(3ª temporada)
Falando em genocídio e Black Mirror, a engenharia emocional aplicada para uso militar não é exclusividade da série. A ciência já acredita que é possível apagar os rastros que o medo deixa na nossa mente – e com ele vão embora as fobias, o estresse pós-traumático e as consequências emocionais de participar de situações terríveis como as guerras.
Mais que isso, o laboratório do Pentágono – de onde vieram a internet e o GPS –já trabalha há anos com aparelhos de estimulação magnética que conseguem instigar ou suprimir emoções em pleno campo de batalha.