A violência silenciosa do abuso emocional

2015-04-10_190211
Violência psicológica tem efeitos tão devastadores quanto a violência física

Vítimas costumam ter dificuldade para identificar os sinais, e o impacto psicológico da condição é mais destrutivo do que parece

Reconhecer os sinais que indicam abuso emocional nem sempre é fácil. Diferente do abuso físico, ele confunde a vítima, e até mesmo as pessoas de seu convívio. Em geral, não inicia de forma radical, e sua profundidade vai aumentando gradativamente; daí o fato de que, muitos abusados acabam se acostumando com o comportamento do abusador, não conseguindo identificar a real situação em que se encontram.
E existe um problema ainda maior: o abuso emocional é tão grave quanto o abuso físico, uma vez que vai corroendo lentamente a autoestima da vítima, o modo como ela se vê. Com isso, tende a estancar seu crescimento pessoal, cristalizando uma imagem equivocada de si mesma. Esse tipo de abuso, infelizmente, pode ocorrer em todas as esferas relacionais: marido e mulher, pais e filhos, parentes, colegas de trabalho, chefia e subordinados e até mesmo entre amigos.

Como identificar
O abuso emocional tende a gravitar em torno de um desequilíbrio de poder, quando uma das pessoas no relacionamento apresenta um comportamento que visa exercer controle psicológico sobre o outro. Em geral, abusadores que cresceram nesse tipo de ambientes podem não perceber o caráter de abuso suas atitudes ou mesmo não identificarem o abuso sofrido.
Algumas pessoas podem inclusive acreditar que a própria atitude invasiva, dominadora ou intimidadora é adequada ou pior: sinal de afeto. Nos casamentos e relacionamentos em geral, o abuso emocional pode assumir duas formas: uma mais agressiva e outra mais passiva. Na agressiva, o abuso fica evidente, sendo que a vítima (e até mesmo as pessoas próximas) pode perceber com clareza a tentativa de controle e violência psicológica.
Já no abuso emocional mais passivo, a hostilidade é velada, e em geral, ocorre em pequenas doses (como sutis alfinetadas, implicâncias ou correções) que vão se tornando mais frequentes e evidentes ao longo do tempo. Mas nesse tipo de situação, os sinais não são claros e condição do abusado torna-se mais complexa – uma vez que este nunca sabe identificar o que se passa na mente do abusador.

O abuso emocional nas relações amorosas
Relações amorosas inadequadas fazem parte da vida de muitas pessoas. E segundo a psicóloga Cláudia Guarnieri, em muitos casos, o que une o casal não é necessariamente afeto e amor, mas uma relação de dependência afetiva.
“O amor agrega e é libertador. A dependência afetiva gera sofrimento e depressão”, define.
Ela chama a atenção para o “vício afetivo” que carrega o mesmo peso de qualquer outro comportamento aditivo, porém com a particularidade “amor”, que muitas vezes é distorcido pela pessoa que o vivencia. E acrescenta: “as pessoas tendem a maximizar as vantagens do que entendem por amor e minimizar as desvantagens. Carência, medo da solidão, medo do que o outro pensa, medo da fantasia e/ou imposição da sociedade, etc., não pode ser entendido como motivação para o início de um relacionamento”.
Cláudia ressalta que podemos entender estas desvantagens, como uma despersonalização que muitas vezes caminha no sentido do abuso emocional que um parceiro provoca no outro. “Agressões verbais muitas vezes visto como “brincadeirinhas” ou ainda, “este é o jeito dele/dela”, devem ser levadas mais a sério, uma vez que causa sofrimento e distorções de valores que são assumidas como verdades”, frisa.
Para a profissional, muitos atos de controle excessivo, menos valia, degradação, humilhação, etc., que um exerce sobre o outro surgem sob o disfarce de romantismo, proteção e cuidado. E esclarece: “sem perceber, configura-se um funcionamento de relacionamento inadequado, no qual um se beneficia sob a condição de colocar-se em posição de poder e o outro, numa condição mais submissa – isso por si só, já pode ser configurado como uma relação de abuso emocional”.
Mas ela ressalta que, ao dar-se conta do quanto o comportamento de um parceiro/a prejudica o outro/a tende a colocar o abusado numa condição de renúncia – que muitas vezes é mais difícil de aceitar do que a própria situação vivida dentro de casa.
“Desistir de um desejo de relacionamento pode ser tão duro para algumas pessoas, que elas acabam por manter-se na condição de abuso emocional. Reconhecer e buscar ajuda são fundamentais para o equilíbrio mental e, muitas vezes para a estabilidade de um relacionamento”, conclui.

Alguns sinais de abuso emocional

– Uso de xingamentos durante uma discussão, para repreender o outro. Atitudes infantis e desrespeitosas para com o parceiro, como a utilização constante de nomes degradantes para humilhá-lo.

– Menosprezo e condescendência. São muito presentes na relação, quando uma das duas pessoas faz as realizações da outra parecerem inúteis e insignificantes. Constrangimento na frente de pessoas que se importam com a que a vítima, que a mesma respeita.

– Condenação e crítica constante. O abusado recebe uma enxurrada de repreendas do abusador, o tempo todo, independente da situação.

– Controle e possessividade. Aparência, prioridades e rotinas de uma pessoa são constantemente controladas pela outra, como se fosse sua propriedade. Brigas e discussões circundam a relação quando o abusado não “obedece às regras”.

– Acusações e paranoia, que incluem principalmente infidelidade, traição à família ou mesmo a fantasia de uma situação de manipulação junto á filhos e amigos que não existe.

– Ameaças envolvendo violência, humilhação ou abandono, fazendo o abusado silenciar qualquer tentativa de objeções à situação de abuso.

– Manipulação, dentro e fora da esfera familiar. Em alguns casos, o abusador interfere de forma inescrupulosa nas situações para obter benefícios, ou mesmo, convencendo o abusado a cumprir compromissos que ele não quer, levando-o a pensar que a ideia foi dele.

– Isolamento forçado. Quando o abusador impede (de forma agressiva ou velada) o contato do abusado com amigos, familiares ou mesmo colegas de trabalho – principalmente os que se preocupam com seu bem-estar. Nesse caso, é uma forma de continuar exercendo controle sem interferências externas.

– Culpa e vergonha. A pessoa que tenta exercer o controle sobre a outra fazendo com q ela sinta-se culpada por qualquer coisa que dê errado. Em muitos casos, o abusado aceita tratamento hostil de outras pessoas, sem se impor, por acreditar que merece isso, como um castigo.

– Indiferença. O abusador usa o silêncio como forma de punição, pelo abusado ter feito ou dito algo ele desaprova.