A carência afetiva e a necessidade de auto-afirmação nas redes sociais

2015-04-10_190211

Com a democratização do acesso à internet e redes sociais, foram internalizados novos aspectos comportamentais e agregados novos valores sociais. Através destes contextos, criamos muitas vezes uma realidade pré-fabricada a partir das nossas carências afetivas e emocionais, sendo as redes sociais o grande termômetro da insatisfação e insegurança das pessoas consigo mesmas.
Mas… até que ponto podemos nos satisfazer nos reinventando muitas vezes na irrealidade?
Com a democratização do acesso a internet e redes sociais, foram internalizados novos aspectos comportamentais e agregados novos valores sociais. Presenciamos as transformações sociais reconfigurando o processo de subjetivação das novas maneiras de se relacionar com o mundo e com o outro.
No entanto, junto às conexões, fotos, selfies e check-ins, podemos concluir que as redes sociais foi o propulsor importante para denunciar a nossa fragilidade egoica. Necessitamos incessantemente da aprovação do outro através dos likes e comentários que elevam a nossa auto-estima. Necessitamos da validação, da aprovação do outro, em busca de convencermo-nos daquilo que não temos certeza em nós mesmos.
As interações em postagens de órgão de imprensa revela normalmente a pessoa solitária, que não recebe atenção ou é oprimida por uma relação ( familiar, amorosa ou de amizade) que desdenha a sua opinião. Este internauta gasta horas nas redes sociais procurando críticas para ter resposta, e , por conseguinte, aatenção que lhes é negada no dia a dia real.
No Virtual o internauta pode criar um personagem ( defensor de animais, idosos e crianças) para justificar a sanha com que critica com ferocidade. Estes personagens ( sim, são personagens) normalmente são deprimidos e frustrados que encontram neste ambiente um pouco de bálsamo para suas frustrações.
Esse olhar perscrutador, avaliador e validativo do outro acerca dos nossos estados emocionais, do nosso sucesso e bem estar nos leva à conclusão de que nós não estamos convencidos internamente daquilo que somos e do que sentimos. Existe uma fragilidade em tudo isto e não foi a internet que desenvolveu. Na realidade estas questões já existiam; a internet foi apenas a ferramenta eliciadora para a eclosão dos conteúdos que presenciamos dia a dia nas redes sociais.
Somos seres gregários e nos realizamos nos relacionamentos interpessoais que nos validam através do olhar do outro e isto além de legitimo, é necessário. No entanto, o que percebo nas redes sociais é uma necessidade premente e constante de autoafirmação, onde percebe-se o movimento de convencer o outro do que ainda não estamos convencidos em nós mesmos. Em outras palavras, as redes sociais é o grande termômetro da insatisfação e insegurança das pessoas consigo mesmas.
Isto é comprovado pelo simples raciocínio de que se não conseguimos nos satisfazer em um nível mais profundo, necessariamente precisamos buscar isto fora.
É fato que não somos e nunca fomos e nem seremos autossuficientes, portanto, não podemos satisfazer sozinhos as nossas próprias necessidades e carências. Precisamos do outro, é do humano. Mas na internet existe uma caricaturização, uma exacerbação do nosso narcisismo.
Sendo assim, as redes sociais “caíram como uma luva” para a insatisfação humana e pra necessidade fundamental do olhar de aprovação do outro enquanto sujeito que necessita ser valorado e reconhecido, causando um aprisionamento desta necessidade constante de criar muitas vezes uma personalidade fictícia, uma realidade muitas vezes mascarada para satisfazermos as nossas fantasias e necessidades profundas.
Até que ponto acreditamos nesta realidade da felicidade constante, dos amores de contos de fadas, em uma vida sem problemas?
Nos afugentamos nas redes sociais para criarmos esta possibilidade. Criamos muitas vezes uma realidade pré-fabricada a partir das nossas carências afetivas e emocionais. Vivemos o que gostaríamos de viver na realidade e isto agora foi possibilitado pela socialização da internet.
…Mas… até que ponto podemos nos satisfazer nos reinventando muitas vezes na irrealidade? Como podemos buscar a cura para nossos males e abandonar a capa das redes sociais que nos suprem a carência todos os dias?

 

Redes sociais: uma versão fictícia de nós mesmos

 

Nas redes sociais fica mais fácil evitar a controvérsia favorecendo que o indivíduo permaneça em uma zona de conforto. Apenas berrar os próprios conceitos, verdadeiros ou inventados, impede de ouvir novas vozes e o único que se vê é o reflexo de sua face.
Propomos aqui uma autoanálise. Revise as suas postagens em todas as redes sociais como se fossem de um anônimo. Responda as cinco seguintes perguntas usando apenas as informações disponíveis nesses meios. Cite pelo menos três problemas desse indivíduo. Que desafios profissionais ele ainda não venceu? Atualmente, essa pessoa tem medo de? O pior defeito dela é? Algum trauma a trava? Se conseguiu, parabéns! Caso contrário, continue respondendo as seguintes cinco próximas questões. Cite algum fato curioso ou conquista pessoal. Que lugares frequenta? Quais comidas prefere? Como se veste? Qual classe social faz parte? Conseguiu as respostas? Passe para terceira etapa! Cruze os resultados das fases 1 e 2 para definir estado de ânimo geral do suposto desconhecido. Se o resultado for: curtindo a vida, sem problemas graves ou fracassos, sempre capaz de resolver todos os problemas do mundo, então, você é como a maioria dos mais de 93 milhões de brasileiros nas redes sociais. Agora, fale a verdade. O seu perfil digital está de acordo com o real?
O Brasil é o primeiro país em acessos a essas páginas na América Latina, de acordo com dados da última pesquisa da agência eMarketer. Isso fala muito sobre nós. Selfies e fotos artísticas, frases feitas e autorais, opiniões bem argumentadas ou embasadas pelo vento. Registrar tudo que acontece. Antes de provar. Até mesmo sem estar. É assim que se vive hoje. Documenta-se a experiência com o objetivo de construir um eu que mora na nuvem. Que assume comportamentos específicos para a internet. Seja mostrando o que se come ou arrecadando fundos para causas sociais. Enquadrando seus pés ou fomentando lutas por mais direitos.

Abrindo janelas para lugares maravilhosos que nunca visitaremos. Mobilizando protestos. Milhões de publicações, segundo a segundo, verdadeiras e mentirosas. Úteis e desnecessárias. Assuntos em massa, do ínfimo ao global, em formatos democráticos e ditatoriais. Conceitos que vão estabelecendo mais normas de conduta. Desde beicinhos horríveis para fotos que, confesso, nunca entendi a origem ou motivo daquilo. Até a angustiante obrigação de ser feliz sempre.
Como mãe de um bebê de 11 meses que persegue celulares desabafo minha preocupação. Muitos adolescentes e jovens nascidos com a vida na ponta dos dedos só conhecem o reconhecimento por meio de likes, compartilhamentos e curtidas. E ficam reféns do retorno das redes sociais para exercerem o pertencimento.
Um estudo realizado na França, mostra que o Brasil é o segundo país em casos de Cyberbulying dentre os 28 avaliados. Já a pesquisa da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais mostra que a quantidade de suicídios entre brasileiros na faixa dos 10 a 14 anos aumentou 65% e, 45%, entre 15 e 19 anos, no período de 2000 a 2015. A investigação não contempla as causas para o aumento das mortes. Especialistas que a avaliaram considerem o bullying nas redes sociais como uma das principais possibilidades. Portanto, minha gente, precisamos falar sobre isso. Por mais incômodo que seja.
Para Bauman, o uso de uma personalidade digital ilusória denuncia as deformidades comportamentais da realidade contemporânea: “A questão da identidade foi transformada de algo preestabelecido em uma tarefa: você tem que criar a sua própria comunidade. Mas não se cria uma comunidade, você tem uma ou não; o que as redes sociais podem gerar é um substituto. A diferença entre a comunidade e a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. É possível adicionar e deletar amigos, e controlar as pessoas com quem você se relaciona. Isso faz com que os indivíduos se sintam um pouco melhor, porque a solidão é a grande ameaça nesses tempos individualistas. Mas, nas redes, é tão fácil adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não são necessárias.
Elas são desenvolvidas na rua, ou no trabalho, ao encontrar gente com quem se precisa ter uma interação razoável. Aí você tem que enfrentar as dificuldades, se envolver em um diálogo”.
E dialogar não é falar para quem pensa igual. Muito menos acusar, acuar e açoitar. A natureza da ação é argumentativa. Não julgadora. E o diverso enriquece a discussão. Ainda segundo o sociólogo, nas redes sociais fica mais fácil evitar a controvérsia favorecendo que o indivíduo permaneça em uma zona de conforto. Apenas berrar os próprios conceitos, verdadeiros ou inventados, impede de ouvir novas vozes e o único que se vê é o reflexo de sua face. O indivíduo desobrigado de pensar diferente está menos apto a enfrentar a frustação. Tem menos habilidade para firmar-se em si sem afirmar-se narcisicamente. Trocando em miúdos: se você construiu uma personalidade virtual para esconder-se ao mesmo tempo que perpetua seus achismos de vida em larga escala, escolheu, invariavelmente, viver em uma bolha.
Muitos vão defender que a internet abriu as portas para a democratização da informação ao permitir que todos opinem. Concordo. Em parte. Sim, ótimo cair em rede assuntos antes pouco conversados. Legal ter uma enxurrada de pensamentos contrários circulando. O que não vejo acontecer, em grande parte das vezes, é o verdadeiro debate. Argumentado e provocativo. Respeitoso. Sabe aquelas discussões que te obrigam a sair do lugar? Nem que seja só para degustar desse novo ponto de vista? Disso estou falando. Mas o que percebo é bem mais parecido com uma defesa de tese. Em um movimento de forçar a ideia descer goela abaixo. Como estudiosa da comunicação, enxergo em muitos dos diálogos — virtuais ou reais já que a intolerância não é exclusividade de rede social — a energia focada no embate mais que na troca. E me dá a maior repulsa quando tentam me converter. Adoro discutir. Estou aberta a mudar. Aprendo a cada dia a escutar mais e falar menos. Só que eu batalho desde muito jovem para caber em mim, sabe? Por isso, não permito que ninguém me diga como devo ser. É assim que me preservo sã.
Entendo que muitas foram as transformações nos modos de expressão e de afeição derradeiros do desenvolvimento tecnológico. Estamos aprendendo esse novo jeito de experienciar. Tal qual no seriado, o risco reside no narcisismo como resposta a uma suposta inadequação social. Se “Narciso acha feio o que não é espelho” como canta Caetano Veloso, interpretar personagens no habitat de rede pode ser perverso e antidemocrático. Quando um grande grupo escolhe a mesma máscara para atuar termina por reforçar padrões comportamentais onde o diferente é acusado, julgado, condenado e banido. Simplesmente por não se encaixar em modelos. Isso empobrece o viver.
Reconheço as inúmeras vantagens dos relacionamentos virtuais. Por isso mesmo, defendo que refletir é levantar a bandeira de que ninguém tem a obrigação de ser #feliz, @politicamentecorreto ou agressivo.com. Isso violenta a identidade de forma irreversível. Causa danos pessoais e sociais perigosíssimos como esclarece Bauman em sua célebre frase: “As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha”. Nesse último pensamento, tomo a liberdade de trocar o “são” por “podem ser”. Não é a rede social a vilã. O estrago vem de como se usa a ferramenta.